PERGUNTA
Miguel, de boa-fé, comprou um lote de terra e edificou sua casa e constituiu ali seu lar, sem saber que pertencia a um Município. Após 15 anos, o Município tomou conhecimento da situação e ingressou com uma ação de reintegração que, por sua vez, fora julgada procedente.
Em dezembro de 2018, Miguel teve que deixar a residência, todavia, inconformado com a quantia de R$ 64.000,00 (sessenta e quatro mil reais) que investiu no imóvel ao longo daquele mesmo ano, ingressou, em 2019, com uma ação para pugnar pela indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas. Alegou que o imóvel se valorizou, de modo que seria indevido ao ente público usufruir desses ganhos, sob pena de enriquecimento ilícito.
Com base na situação hipotética, responda se Miguel possui razão em seu pedido.
ESPELHO COMENTADO
Para a compreensão do entendimento do STJ acerca da posse irregular de bem público, é preciso destacar as características desses bens contidas tanto no Código Civil quanto na Constituição Federal.
Nos termos do art. 183, § 3º, da Constituição Federal, os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, pois são imprescritíveis (aqui se trata de prescrição aquisitiva, que é aquela que garante o direito de usucapir o bem).
Esse dispositivo é corroborado pelo texto do CC/02, que, em seu art. 102, preconiza que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
O próprio STF já entendia, antes mesmo da atual Constituição, dessa forma, conforme súmula 340: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
Feito esse breve resumo, vamos analisar a questão: o terreno comprado por Miguel é do Município, logo, trata-se de um bem público, portanto, impassível de usucapião.
O entendimento do STJ é no sentido de que a ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias. Esse entendimento já era consolidado no âmbito do Tribunal, entretanto, em 2018 o STJ resolveu editar a súmula 619: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”.
De qualquer forma, é importante conhecer as palavras do próprio STJ:
“(…) 2. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
3. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção.
4. Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias.” STJ. 2ª Turma. REsp 863.939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 04/11/2008
Assim, pouco importa se o possuidor estava de boa-fé ou não:
“ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA POR PARTICULARES. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
(…) 9. Finalmente, a indenização por benfeitorias ou acessões, ainda que fosse admitida no caso de áreas públicas, pressupõe vantagem, advinda dessas intervenções, para o proprietário (no caso, o Distrito Federal). Não é o que ocorre em caso de ocupação de áreas públicas.
10. Como regra, esses imóveis são construídos ao arrepio da legislação ambiental e urbanística, o que impõe ao Poder Público o dever de demolição ou, no mínimo, regularização. Seria incoerente impor à Administração a obrigação de indenizar por imóveis irregularmente construídos que, além de não terem utilidade para o Poder Público, ensejarão dispêndio de recursos do Erário para sua demolição.
11. Entender de modo diverso é atribuir à detenção efeitos próprios da posse, o que enfraquece a dominialidade pública, destrói as premissas básicas do Princípio da Boa-Fé Objetiva, estimula invasões e construções ilegais e legitima, com a garantia de indenização, a apropriação privada do espaço público. 12. Recurso Especial provido.” (STJ – REsp: 945055 DF 2007/0092986-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 02/06/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 20/08/2009)
Por fim, vale relembrar que benfeitorias são bens acessórios decorrentes de uma obra realizada pelo homem, na estrutura do bem principal, com o propósito de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo.
FLÁVIO TARTUCE observa que “enquanto os frutos e produtos decorrem do bem principal, as benfeitorias são nele introduzidas”.
O art. 96 do CC consagra uma classificação das benfeitorias que remonta ao direito romano:
I) Benfeitorias necessárias: são as que têm por fim conservar ou evitar que o bem se deteriore (ex.: reforma do telhado de uma casa ou reparo na infraestrutura elétrica);
II) Benfeitorias úteis: são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa, tornando-a mais útil (ex.: instalação de uma grade na janela de uma casa ou a abertura de uma nova entrada que servirá de garagem);
III) Benfeitorias voluptuárias: são as de mero deleite ou de luxo, que não facilitam a utilidade da coisa, mas apenas a embelezam ou tornam seu uso mais agradável (ex: decoração de um jardim ou construção de uma piscina numa casa residencial).
O estudo das benfeitorias é importante, por exemplo, na análise da posse (art. 1.219 do CC), pois o efeito e a proteção jurídica a que a pessoa faz jus varia conforme a espécie de benfeitoria realizada. A matéria também é de grande interesse no âmbito dos contratos de locação (art. 578 do CC, no caso da locação de bens móveis; e arts. 35 e 36 da Lei n.º 8.245/91 – Lei do Inquilinato, no caso da locação de bens imóveis).
De toda sorte, como explicado anteriormente, Miguel não fará jus à indenização das benfeitorias realizadas em sua antiga residência, pois a ocupação de bens públicos é caracterizada como mera detenção de natureza precária, não ensejando qualquer pretensão de aquisição do imóvel ou indenização pelo decurso do tempo.
QUESITOS AVALIADOS:
Quesito 1. Correção da linguagem e clareza da exposição. 0,0 a 1,0
Quesito 2. Fundamentação jurídica. 0,0 a 9,0
Conceito 0 – Não mencionou nenhum dos seguintes aspectos: 1 – Impossibilidade de indenização por benfeitorias realizadas em imóvel público ocupado indevidamente (entendimento jurisprudencial e súmula 619 do STJ); 2 – Ocupação de bens públicos é caracterizada como mera detenção de natureza precária, não ensejando qualquer pretensão de aquisição do imóvel ou indenização pelo decurso do tempo.
Conceito 1 – Apresentou corretamente apenas um aspecto.
Conceito 2 – Apresentou corretamente os dois aspectos.
NOTA TOTAL: 0,0 a 10,0 pontos.
Detonando na discursiva 28 de agosto
PERGUNTA
Miguel, de boa-fé, comprou um lote de terra e edificou sua casa e constituiu ali seu lar, sem saber que pertencia a um Município. Após 15 anos, o Município tomou conhecimento da situação e ingressou com uma ação de reintegração que, por sua vez, fora julgada procedente.
Em dezembro de 2018, Miguel teve que deixar a residência, todavia, inconformado com a quantia de R$ 64.000,00 (sessenta e quatro mil reais) que investiu no imóvel ao longo daquele mesmo ano, ingressou, em 2019, com uma ação para pugnar pela indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas. Alegou que o imóvel se valorizou, de modo que seria indevido ao ente público usufruir desses ganhos, sob pena de enriquecimento ilícito.
Com base na situação hipotética, responda se Miguel possui razão em seu pedido.
ESPELHO COMENTADO
Para a compreensão do entendimento do STJ acerca da posse irregular de bem público, é preciso destacar as características desses bens contidas tanto no Código Civil quanto na Constituição Federal.
Nos termos do art. 183, § 3º, da Constituição Federal, os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, pois são imprescritíveis (aqui se trata de prescrição aquisitiva, que é aquela que garante o direito de usucapir o bem).
Esse dispositivo é corroborado pelo texto do CC/02, que, em seu art. 102, preconiza que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
O próprio STF já entendia, antes mesmo da atual Constituição, dessa forma, conforme súmula 340: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
Feito esse breve resumo, vamos analisar a questão: o terreno comprado por Miguel é do Município, logo, trata-se de um bem público, portanto, impassível de usucapião.
O entendimento do STJ é no sentido de que a ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias. Esse entendimento já era consolidado no âmbito do Tribunal, entretanto, em 2018 o STJ resolveu editar a súmula 619: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”.
De qualquer forma, é importante conhecer as palavras do próprio STJ:
“(…) 2. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
3. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção.
4. Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias.” STJ. 2ª Turma. REsp 863.939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 04/11/2008
Assim, pouco importa se o possuidor estava de boa-fé ou não:
“ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA POR PARTICULARES. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
(…) 9. Finalmente, a indenização por benfeitorias ou acessões, ainda que fosse admitida no caso de áreas públicas, pressupõe vantagem, advinda dessas intervenções, para o proprietário (no caso, o Distrito Federal). Não é o que ocorre em caso de ocupação de áreas públicas.
10. Como regra, esses imóveis são construídos ao arrepio da legislação ambiental e urbanística, o que impõe ao Poder Público o dever de demolição ou, no mínimo, regularização. Seria incoerente impor à Administração a obrigação de indenizar por imóveis irregularmente construídos que, além de não terem utilidade para o Poder Público, ensejarão dispêndio de recursos do Erário para sua demolição.
11. Entender de modo diverso é atribuir à detenção efeitos próprios da posse, o que enfraquece a dominialidade pública, destrói as premissas básicas do Princípio da Boa-Fé Objetiva, estimula invasões e construções ilegais e legitima, com a garantia de indenização, a apropriação privada do espaço público. 12. Recurso Especial provido.” (STJ – REsp: 945055 DF 2007/0092986-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 02/06/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 20/08/2009)
Por fim, vale relembrar que benfeitorias são bens acessórios decorrentes de uma obra realizada pelo homem, na estrutura do bem principal, com o propósito de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo.
FLÁVIO TARTUCE observa que “enquanto os frutos e produtos decorrem do bem principal, as benfeitorias são nele introduzidas”.
O art. 96 do CC consagra uma classificação das benfeitorias que remonta ao direito romano:
I) Benfeitorias necessárias: são as que têm por fim conservar ou evitar que o bem se deteriore (ex.: reforma do telhado de uma casa ou reparo na infraestrutura elétrica);
II) Benfeitorias úteis: são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa, tornando-a mais útil (ex.: instalação de uma grade na janela de uma casa ou a abertura de uma nova entrada que servirá de garagem);
III) Benfeitorias voluptuárias: são as de mero deleite ou de luxo, que não facilitam a utilidade da coisa, mas apenas a embelezam ou tornam seu uso mais agradável (ex: decoração de um jardim ou construção de uma piscina numa casa residencial).
O estudo das benfeitorias é importante, por exemplo, na análise da posse (art. 1.219 do CC), pois o efeito e a proteção jurídica a que a pessoa faz jus varia conforme a espécie de benfeitoria realizada. A matéria também é de grande interesse no âmbito dos contratos de locação (art. 578 do CC, no caso da locação de bens móveis; e arts. 35 e 36 da Lei n.º 8.245/91 – Lei do Inquilinato, no caso da locação de bens imóveis).
De toda sorte, como explicado anteriormente, Miguel não fará jus à indenização das benfeitorias realizadas em sua antiga residência, pois a ocupação de bens públicos é caracterizada como mera detenção de natureza precária, não ensejando qualquer pretensão de aquisição do imóvel ou indenização pelo decurso do tempo.
QUESITOS AVALIADOS:
Quesito 1. Correção da linguagem e clareza da exposição. 0,0 a 1,0
Quesito 2. Fundamentação jurídica. 0,0 a 9,0
Conceito 0 – Não mencionou nenhum dos seguintes aspectos: 1 – Impossibilidade de indenização por benfeitorias realizadas em imóvel público ocupado indevidamente (entendimento jurisprudencial e súmula 619 do STJ); 2 – Ocupação de bens públicos é caracterizada como mera detenção de natureza precária, não ensejando qualquer pretensão de aquisição do imóvel ou indenização pelo decurso do tempo.
Conceito 1 – Apresentou corretamente apenas um aspecto.
Conceito 2 – Apresentou corretamente os dois aspectos.
NOTA TOTAL: 0,0 a 10,0 pontos.
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