QUESTÃO
Ana Clara, solteira, foi demitida de seu emprego, após o início da pandemia causada pela COVID-19. Desde então, enfrenta uma séria crise financeira. Deixou de pagar IPTU de seu único imóvel, onde reside, bem como teve que contrair empréstimos para quitar dívidas. Sem conseguir recolocação profissional, Ana Clara não realizou o pagamento das parcelas dos empréstimos.
Com base na situação hipotética, elabore um texto dissertativo e responda aos seguintes questionamentos:
1 – É possível a penhora do imóvel de Ana Clara para quitar os empréstimos? E para quitar os débitos decorrentes do IPTU?
2 – Imóvel adquirido no curso de demanda executiva pode ser considerado bem de família?
ESPELHO COMENTADO
O Bem de Família é um instituto que tutela o direito constitucional de moradia (art. 6º da CF) e protege a dignidade da pessoa humana. Consiste em uma proteção patrimonial erigida em favor de uma pessoa ou de núcleo familiar, em relação ao pagamento de dívidas por estes contraídas. Consagra verdadeiro limite à responsabilidade patrimonial do devedor.
O instituto recebeu um tratamento dualista pelo legislador pátrio, que o subdividiu em bem de família legal (disciplinado pela Lei nº 8.009/90) e bem de família convencional (disciplinado pelos arts. 1.711 a 1.722 do Código Civil).
FLÁVIO TARTUCE aponta que a impenhorabilidade do bem de família legal é norma de ordem pública, circunstância da qual derivam duas consequências: I) o juiz pode reconhecer de ofício a impenhorabilidade do bem de família (vide AgRg no AREsp 140.598, julgado pelo STJ em 2014); II) a Lei n.º 8.009/90 tem eficácia retroativa, atingindo penhoras constituídas antes da sua entrada em vigor, com base no que parte da doutrina denomina de retroatividade motivada ou justificada (nesse sentido é a Súmula 205 do STJ: “A Lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência”).
Por outro lado, o bem de família voluntário ou convencional, disciplinado pelo Código Civil (arts. 1.711 a 1.722), decorre da autonomia da vontade, e não de imposição legal. A instituição de bem de família convencional não afasta a proteção do bem de família legal (art. 1.711, parte final do caput).
Ademais, conforme o entendimento sumulado pelo STJ, “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas” (Súmula nº 364/STJ).
Referida súmula se aplica ao caso em análise, de modo que, mesmo solteira, Ana Clara terá seu imóvel considerado bem de família.
Isso reforça ainda mais o fato de que o bem de família se fundamenta na dignidade da pessoa humana e na personalização do Direito Civil, nas linhas teóricas do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo.
Nesse aspecto, o bem imóvel de Ana Clara é um bem de família legal e, portanto, não poderá ser penhorado para quitação dos empréstimos, conforme o art. 1º da Lei 8.009/90 e súmula nº 364/STJ.
De acordo com o art. 5º da Lei 8.009/90, “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.
Em regra, portanto, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel em questão for utilizado para residência permanente do respectivo dono e de sua família. O STJ, porém, realiza interpretação extensiva e ampliativa da matéria, ao admitir hipóteses nas quais o imóvel, embora não utilizado diretamente para fins de residência do titular e de sua família, ainda assim deva ser considerado impenhorável.
Há, ainda, o bem de família vazio, considerado impenhorável, embora se encontre desocupado ou não edificado, desde que se encontre neste estado por razões alheias à vontade do dono (tais como a falta de serviço estatal) (STJ. REsp 825.66-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Julgamento em 01/12/2009).
No caso de pessoas que não possuem imóvel próprio e residem em imóvel alugado, a Lei do Bem de Família esclarece que a impenhorabilidade não deixa de alcançar os bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário (art. 2º, parágrafo único).
Importante mencionar as exceções estabelecidas pelo legislador no art. 3º da Lei 8.009/90, ou seja, as hipóteses em que o devedor pode ser chamado a responder por uma dívida, inclusive com um bem de família:
Detonando na discursiva 21 de agosto
QUESTÃO
Ana Clara, solteira, foi demitida de seu emprego, após o início da pandemia causada pela COVID-19. Desde então, enfrenta uma séria crise financeira. Deixou de pagar IPTU de seu único imóvel, onde reside, bem como teve que contrair empréstimos para quitar dívidas. Sem conseguir recolocação profissional, Ana Clara não realizou o pagamento das parcelas dos empréstimos.
Com base na situação hipotética, elabore um texto dissertativo e responda aos seguintes questionamentos:
1 – É possível a penhora do imóvel de Ana Clara para quitar os empréstimos? E para quitar os débitos decorrentes do IPTU?
2 – Imóvel adquirido no curso de demanda executiva pode ser considerado bem de família?
ESPELHO COMENTADO
O Bem de Família é um instituto que tutela o direito constitucional de moradia (art. 6º da CF) e protege a dignidade da pessoa humana. Consiste em uma proteção patrimonial erigida em favor de uma pessoa ou de núcleo familiar, em relação ao pagamento de dívidas por estes contraídas. Consagra verdadeiro limite à responsabilidade patrimonial do devedor.
O instituto recebeu um tratamento dualista pelo legislador pátrio, que o subdividiu em bem de família legal (disciplinado pela Lei nº 8.009/90) e bem de família convencional (disciplinado pelos arts. 1.711 a 1.722 do Código Civil).
FLÁVIO TARTUCE aponta que a impenhorabilidade do bem de família legal é norma de ordem pública, circunstância da qual derivam duas consequências: I) o juiz pode reconhecer de ofício a impenhorabilidade do bem de família (vide AgRg no AREsp 140.598, julgado pelo STJ em 2014); II) a Lei n.º 8.009/90 tem eficácia retroativa, atingindo penhoras constituídas antes da sua entrada em vigor, com base no que parte da doutrina denomina de retroatividade motivada ou justificada (nesse sentido é a Súmula 205 do STJ: “A Lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência”).
Por outro lado, o bem de família voluntário ou convencional, disciplinado pelo Código Civil (arts. 1.711 a 1.722), decorre da autonomia da vontade, e não de imposição legal. A instituição de bem de família convencional não afasta a proteção do bem de família legal (art. 1.711, parte final do caput).
Ademais, conforme o entendimento sumulado pelo STJ, “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas” (Súmula nº 364/STJ).
Referida súmula se aplica ao caso em análise, de modo que, mesmo solteira, Ana Clara terá seu imóvel considerado bem de família.
Isso reforça ainda mais o fato de que o bem de família se fundamenta na dignidade da pessoa humana e na personalização do Direito Civil, nas linhas teóricas do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo.
Nesse aspecto, o bem imóvel de Ana Clara é um bem de família legal e, portanto, não poderá ser penhorado para quitação dos empréstimos, conforme o art. 1º da Lei 8.009/90 e súmula nº 364/STJ.
De acordo com o art. 5º da Lei 8.009/90, “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.
Em regra, portanto, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel em questão for utilizado para residência permanente do respectivo dono e de sua família. O STJ, porém, realiza interpretação extensiva e ampliativa da matéria, ao admitir hipóteses nas quais o imóvel, embora não utilizado diretamente para fins de residência do titular e de sua família, ainda assim deva ser considerado impenhorável.
Há, ainda, o bem de família vazio, considerado impenhorável, embora se encontre desocupado ou não edificado, desde que se encontre neste estado por razões alheias à vontade do dono (tais como a falta de serviço estatal) (STJ. REsp 825.66-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Julgamento em 01/12/2009).
No caso de pessoas que não possuem imóvel próprio e residem em imóvel alugado, a Lei do Bem de Família esclarece que a impenhorabilidade não deixa de alcançar os bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário (art. 2º, parágrafo único).
Importante mencionar as exceções estabelecidas pelo legislador no art. 3º da Lei 8.009/90, ou seja, as hipóteses em que o devedor pode ser chamado a responder por uma dívida, inclusive com um bem de família:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
O inciso IV aplica-se perfeitamente ao caso em comento, pois o imóvel de Ana Clara não poderá ser penhorado para saldar as dívidas dos empréstimos contratados por ser bem de família. No entanto, essa impenhorabilidade não poderá ser oposta à Fazenda Pública, por força do dispositivo legal que excepciona a impenhorabilidade do bem para pagamento de dívidas decorrentes do IPTU.
Ainda em relação ao inciso IV do art. 3º, que estabelece a penhorabilidade do bem de família em face da cobrança de impostos prediais ou territoriais, de taxas ou de contribuições devidas em função do imóvel, entende-se que esta última expressão (“contribuições devidas em função do imóvel”) não abarca apenas dívidas de natureza tributária.
Nas palavras de FLÁVIO TARTUCE, “Quando há menção às contribuições relativas ao imóvel, segundo a jurisprudência, estão incluídas as dívidas decorrentes do condomínio, eis que esse inciso trata das obrigações propter rem ou ambulatórias” (STF, RE 439.003/SP, Informativo 455).
Frise-se que esse raciocínio, entretanto, não se aplica às dívidas relacionadas à manutenção dos condomínios de fato, ou seja, condomínios fechados de casas, administrados por associações de moradores (STJ – REsp 1.324.107, Informativo 510).
Além das hipóteses previstas no art. 3º da Lei 8.009/90, a impenhorabilidade do bem de família não se aplica quando o devedor atua de má-fé para lesar seus credores.
Já a lista de exceções à impenhorabilidade do bem de família convencional (art. 1.715 do CC) não se confunde com o rol de exceções à impenhorabilidade do bem de família legal (art. 3º da Lei 8.009/90). Inclusive, é bem mais restrita. São apenas três as exceções à impenhorabilidade decorrente do bem de família convencional:
1. Dívidas anteriores à sua constituição, de qualquer natureza;
2. Dívidas referentes a tributos relativos ao prédio (posteriores);
3. Despesas de condomínio (posteriores).
Por fim, conforme a jurisprudência, o benefício da impenhorabilidade aos bens de família pode ser concedido ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso da demanda executiva, salvo na hipótese do art. 4º da Lei nº 8.009/90.
A interpretação dada pelo STJ nesses casos visa tutelar o princípio da boa-fé objetiva, de modo que a mera aquisição do imóvel posteriormente à dívida não configura, por si só, fraude à execução, tampouco afasta a proteção conferida ao bem de família.
PADRÃO DE RESPOSTA
QUESITOS AVALIADOS
Quesito 1. Correção da linguagem e clareza da exposição. 0,0 a 1,0
Quesito 2. Fundamentação jurídica. 0,0 a 9,0
Conceito 0 – Não mencionou nenhum dos seguintes aspectos: 1 – Defendeu que o imóvel de Ana Clara é um bem de família legal e a súmula 364 do STJ; 2 – O imóvel não poderá ser penhorado para quitar os empréstimos (art. 1º da Lei n.º 8.009/90); 3 – A impenhorabilidade do bem de família não poderá ser oposta à Fazenda Pública na cobrança de débitos do IPTU (art. 3º, IV, da Lei n.º 8.009/90); 4 – Citou o art. 1.715 do Código Civil; 5 – Mencionou que o benefício da impenhorabilidade aos bens de família pode ser concedido ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso da demanda executiva, salvo na hipótese do art. 4º da Lei nº 8.009/90, conforme o STJ; 6 – O fato de o imóvel ter sido adquirido após a dívida não configura, por si só, fraude à execução.
Conceito 1 – Apresentou corretamente apenas dois aspectos.
Conceito 2 – Apresentou corretamente apenas três aspectos.
Conceito 3 – Apresentou corretamente apenas quatro aspectos.
Conceito 4 – Apresentou corretamente cinco ou mais aspectos.
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