Pergunta
Elabore um texto dissertativo explicando a doutrina do “Stare Decisis” horizontal e vertical, buscando uma relação com o previsto no Código de Processo Civil de 2015 e as Cortes de Vértice.
Por fim, responda, de forma fundamentada, sobre a (im)possibilidade de impugnação da exigência de uma obrigação reconhecida por decisão judicial já transitada em julgado, em razão de título fundado em lei que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Resposta
Levando em consideração o princípio da segurança jurídica, a doutrina do “stare decisis” determina o respeito aos precedentes fixados pelas Cortes de Vértice, ou seja, aqueles tribunais responsáveis pelo desenvolvimento de sua missão institucional de fazer evoluir e consolidar de forma coerente o direito, e não apenas decidir o caso concreto por meio da expedição de uma norma concreta e individual resultado da entrega da prestação jurisdicional.
Nesse contexto, o “stare decisis” pode ser realizado de forma horizontal, no sentido de haver respeito aos precedentes da própria Corte julgadora, conforme previsão do art. 926, do Código de Processo Civil, já que prevê um comando normativo para os tribunais uniformizarem a própria jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Código de Processo Civil Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Todavia, além disso, também é possível se visualizar a abrangência em seu viés vertical, devendo-se respeito aos precedentes e à jurisprudência vinculante das Cortes a que são submetidos os órgãos jurisdicionais.
Nesse caso, os juízes e os tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
Além disso, devem obediência aos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e à orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, conforme disposto no art. 927, I a V, do CPC/15.
Código de Processo Civil Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Veja o entendimento doutrinário sobre o assunto, ao interpretar os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil:
Tribunais
O art. 926, CPC, fala em “tribunais” indistintamente, sem atentar que existe uma divisão de trabalho bastante clara entre as Cortes de Justiça e as Cortes Supremas no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda, refere que a função desses tribunais seria a de “uniformizar”.
No entanto, a fim de bem trabalhar com um sistema de precedentes, é preciso distinguir no seio da organização judiciária cortes voltadas à justiça do caso concreto (as chamadas Cortes de Justiça – Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça), cuja função é controlar a interpretação dos fatos da causa, da prova produzida e do direito aplicável ao caso concreto e fomentar o debate a respeito das possíveis soluções interpretativas por meio da jurisprudência, das cortes voltadas à unidade do direito (as chamadas Cortes Supremas – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), cuja função é interpretar o direito a partir do caso concreto e dar a última palavra a respeito de como deve ser entendido o direito constitucional e o direito federal em nosso país.
Se é certo que as Cortes Supremas têm o dever de dar unidade ao direito mediante os seus precedentes e de torná-los pendores de segurança em nossa ordem jurídica, certamente não se passa exatamente o mesmo com as Cortes de Justiça.
É claro que é desejável que a jurisprudência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais seja uniforme e segura (tanto é assim que se preveem incidentes voltados à obtenção de segurança, como o incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de assunção de competência), assim como é evidente que essas Cortes têm – a partir da existência de precedentes sobre o caso que devem julgar – o dever de aplicá-los sem quebra de igualdade.
No entanto, a função dessas cortes está ligada justamente à exploração dos possíveis significados dos textos jurídicos a partir do controle da justiça do caso concreto (a interpretação do direito é apenas um meio para chegar-se ao fim controle da justiça do caso).
É diferente do que ocorre com as Cortes Supremas, em que o caso concreto é apenas um meio a partir do qual se parte para chegar-se ao fim interpretação do direito.
Enquanto inexiste precedente da Corte Suprema encarregada de formá-lo, o desacordo interpretativo é em grande medida inevitável, dado o caráter equívoco da linguagem em que vazados os textos legislados.
Daí que seria necessário particularizar no art. 926, CPC, que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm o dever de dar unidade ao direito.
A partir da existência de precedentes constitucionais e de precedentes federais, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça têm o dever de controlar a uniforme aplicação desses precedentes.
Isso porque as Cortes de Justiça – e os juízes de primeiro grau – são responsáveis por fomentar o debate a respeito de quais são as melhores opções interpretativas para os desacordos inerentes à interpretação do direito: tolher esse debate, não deixando espaços para que vingue, serve apenas para obtenção de uma solução para os problemas jurídicos – não necessariamente para obtenção da solução melhor ou mais amadurecida pelo diálogo e pela experiência judiciária.
Em outras palavras: não necessariamente uma solução amadurecida democraticamente pelo diálogo institucional no e do Poder Judiciário.
Devidamente distinguidas as funções das Cortes Supremas das Cortes de Justiça, deixando-se de lado o uso genérico do termo tribunais, fica fácil perceber que a função dessas Cortes de modo nenhum pode ser identificada com a de uniformização.
E isso porque a uniformização pressupõe justamente tornar uniforme algo que a princípio não o é, o que exige atar a tarefa dessas Cortes à finalidade de controle de casos.
Para uniformizar, é preciso conhecer o que é disforme: pressupõe-se justamente a ausência de uniformidade na interpretação e aplicação do direito.
Quando se pensa no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça como cortes de interpretação e de precedentes, porém, a partir do exato momento em que esses tribunais dão determinada interpretação, constitui grave infidelidade ao direito deixá-la de lado na aplicação dos casos concretos que recaem em seus âmbitos de aplicação (STJ, 6.ª Turma, HC 274.806/SP, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 18.02.2014; STJ, 6.ª Turma, HC 276.152/SP, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 31.03.2014.).
Daí que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça – como Cortes Supremas que são – devem dar unidade ao direito e não propriamente uniformizá-lo.
Essas Cortes não devem repetir inúmeras e inúmeras vezes diante de milhares de casos concretos a mesma solução jurídica para uniformizar a aplicação do direito no nosso país.
Devem dar unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes que compõem o sistema encarregado de distribuir justiça a fim de evitar a dispersão do sistema jurídico.
Nessa linha, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, que têm o dever de controlar a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos – o que obviamente inclui o dever de aplicação isonômica do direito.
(…)
Stare Decisis. A necessidade de compatibilização horizontal e vertical das decisões judiciais decorre da necessidade de segurança jurídica, de liberdade e de igualdade como princípios básicos de qualquer Estado Constitucional. Normalmente, a imprescindibilidade dessa compatibilização é retratada pela máxima stare decisis et quieta non movere, que determina o respeito aos precedentes das Cortes Supremas e à jurisprudência vinculante produzida pelas Cortes de Justiça. O stare decisis pode ser horizontal (respeito aos próprios precedentes e à própria jurisprudência vinculante) ou vertical (respeito aos precedentes e à jurisprudência vinculante das Cortes a que submetidos os órgãos jurisdicionais).
Stare Decisis Horizontal. O art. 926, CPC, institui claramente o que a doutrina chama de stare decisis horizontal. Ao dizer expressamente que há dever de outorgar unidade ao direito e de fazê-lo seguro – o que implica torná-lo cognoscível, estável e confiável – o legislador obviamente determinou ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça respeito aos próprios precedentes, além de ter determinado aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça respeito à própria jurisprudência formada a partir dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência. Isso porque a primeira condição para que exista um sistema de precedentes e de compatibilização vertical das decisões judiciais é o respeito por parte das Cortes Supremas aos seus próprios precedentes. Do ponto de vista da administração da Justiça Civil, não é possível respeitar quem não se respeita. Verificado o respeito aos próprios precedentes, é possível exigir o respeito dos outros. E é exatamente por essa razão que logo na sequência o legislador institui o chamado stare decisis vertical (art. 927, CPC): isto é, a necessidade de que o Poder Judiciário seja visto como uma unidade, isto é, tendo apenas uma única face para a pessoa que espera justiça. A necessidade de stare decisis horizontal decorre do princípio da segurança jurídica, notadamente da necessidade de estabilidade do sistema jurídico.
O STF, tomando por base os ensinamentos acima, já proferiu precedente nesse sentido. Veja, no caso, a ementa do processo de relatoria do Excelentíssimo Ministro Edson Fachin:
INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. ART. 93, I, CRFB. EC 45/2004. TRIÊNIO DE ATIVIDADE JURÍDICA PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO. REQUISITO DE EXPERIMENTAÇÃO PROFISSIONAL. MOMENTO DA COMPROVAÇÃO. INSCRIÇÃO DEFINITIVA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA. ADI 3.460. REAFIRMAÇÃO DO PRECEDENTE PELA SUPREMA CORTE. PAPEL DA CORTE DE VÉRTICE. UNIDADE E ESTABILIDADE DO DIREITO. VINCULAÇÃO AOS SEUS PRECEDENTES. STARE DECISIS. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DE SUPERAÇÃO TOTAL (OVERRULING) DO PRECEDENTE.
1. A exigência de comprovação, no momento da inscrição definitiva (e não na posse), do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito como condição de ingresso nas carreiras da magistratura e do ministério público (arts. 93, I e 129, § 3º, CRFB – na redação da Emenda Constitucional n. 45/2004) foi declarada constitucional pelo STF na ADI 3.460.
2. Mantidas as premissas fáticas e normativas que nortearam aquele julgamento, reafirmam-se as conclusões (ratio decidendi) da Corte na referida ação declaratória.
3. O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal Federal impõe-lhe dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes.
4. Conclusão corroborada pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente em seu artigo 926, que ratifica a adoção por nosso sistema da regra do stare decisis, que densifica a segurança jurídica e promove a liberdade e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de uma perspectiva lógico-argumentativa da interpretação. (MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016).
5. A vinculação vertical e horizontal decorrente do stare decisis relaciona-se umbilicalmente à segurança jurídica, que impõe imediatamente a imprescindibilidade de o direito ser cognoscível, estável, confiável e efetivo, mediante a formação e o respeito aos precedentes como meio geral para obtenção da tutela dos direitos. (MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista do Tribunais, 2013).
6. Igualmente, a regra do stare decisis ou da vinculação aos precedentes judiciais é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões, salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação, a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação. Daí se dizer que os precedentes possuem uma força presumida ou subsidiária. (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiro, 2011).
7. Nessa perspectiva, a superação total de precedente da Suprema Corte depende de demonstração de circunstâncias (fáticas e jurídicas) que indiquem que a continuidade de sua aplicação implicam ou implicarão inconstitucionalidade.
8. A inocorrência desses fatores conduz, inexoravelmente, à manutenção do precedente já firmado.
9. Tese reafirmada: é constitucional a regra que exige a comprovação do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito no momento da inscrição definitiva.
10. Recurso extraordinário desprovido. (STF – RE: 655265 DF – DISTRITO FEDERAL, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/04/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-164 05-08-2016)
Sob outro aspecto, ultrapassada a fase de conhecimento, procedendo-se o trânsito em julgado do processo, tem-se que a decisão judicial baseada em norma declarada inconstitucional é inexigível.
Logo, como os títulos executivos, sejam judiciais, sejam extrajudiciais, precisam ser dotados das características da obrigação certa, líquida e exigível, a decisão judicial transitada em julgado se encontra em desconformidade e pode ser objeto de defesa pela parte contrária.
Todavia, deve ser realizada uma diferenciação sobre o momento da declaração de inconstitucionalidade, por parte da Corte Suprema, para se buscar o meio adequado cabível para a inexigibilidade de tal decisão exequenda.
Isso porque, se a decisão do STF, declarando a norma inconstitucional, for anterior ao trânsito em julgado da demanda, será possível a parte alegar a inexigibilidade do título através de impugnação ao cumprimento de sentença.
Vejamos:
Código de Processo Civil Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:
I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II – ilegitimidade de parte;
III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV – penhora incorreta ou avaliação errônea;
V – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
VI – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VII – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.
§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
E qual seria a medida correta para afastar o título baseado em norma declarada inconstitucional pelo STF após o trânsito em julgado da decisão exequenda? A resposta é a ação rescisória.
E o prazo decadencial à propositura da referida ação é contado a partir da decisão proferida pelo STF que declarou a norma inconstitucional. Observe:
Código de Processo Civil Art. 525. (…) § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Desse modo, deveria o candidato realizar a separação dos momentos narrados para indicar quais os meios de impugnação cabíveis para afastar o título executivo judicial baseado em norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Detonando na Discursiva 31 de agosto
Pergunta
Elabore um texto dissertativo explicando a doutrina do “Stare Decisis” horizontal e vertical, buscando uma relação com o previsto no Código de Processo Civil de 2015 e as Cortes de Vértice.
Por fim, responda, de forma fundamentada, sobre a (im)possibilidade de impugnação da exigência de uma obrigação reconhecida por decisão judicial já transitada em julgado, em razão de título fundado em lei que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Resposta
Levando em consideração o princípio da segurança jurídica, a doutrina do “stare decisis” determina o respeito aos precedentes fixados pelas Cortes de Vértice, ou seja, aqueles tribunais responsáveis pelo desenvolvimento de sua missão institucional de fazer evoluir e consolidar de forma coerente o direito, e não apenas decidir o caso concreto por meio da expedição de uma norma concreta e individual resultado da entrega da prestação jurisdicional.
Nesse contexto, o “stare decisis” pode ser realizado de forma horizontal, no sentido de haver respeito aos precedentes da própria Corte julgadora, conforme previsão do art. 926, do Código de Processo Civil, já que prevê um comando normativo para os tribunais uniformizarem a própria jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Todavia, além disso, também é possível se visualizar a abrangência em seu viés vertical, devendo-se respeito aos precedentes e à jurisprudência vinculante das Cortes a que são submetidos os órgãos jurisdicionais.
Nesse caso, os juízes e os tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
Além disso, devem obediência aos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e à orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, conforme disposto no art. 927, I a V, do CPC/15.
Veja o entendimento doutrinário sobre o assunto, ao interpretar os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil:
Tribunais
O art. 926, CPC, fala em “tribunais” indistintamente, sem atentar que existe uma divisão de trabalho bastante clara entre as Cortes de Justiça e as Cortes Supremas no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda, refere que a função desses tribunais seria a de “uniformizar”.
No entanto, a fim de bem trabalhar com um sistema de precedentes, é preciso distinguir no seio da organização judiciária cortes voltadas à justiça do caso concreto (as chamadas Cortes de Justiça – Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça), cuja função é controlar a interpretação dos fatos da causa, da prova produzida e do direito aplicável ao caso concreto e fomentar o debate a respeito das possíveis soluções interpretativas por meio da jurisprudência, das cortes voltadas à unidade do direito (as chamadas Cortes Supremas – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), cuja função é interpretar o direito a partir do caso concreto e dar a última palavra a respeito de como deve ser entendido o direito constitucional e o direito federal em nosso país.
Se é certo que as Cortes Supremas têm o dever de dar unidade ao direito mediante os seus precedentes e de torná-los pendores de segurança em nossa ordem jurídica, certamente não se passa exatamente o mesmo com as Cortes de Justiça.
É claro que é desejável que a jurisprudência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais seja uniforme e segura (tanto é assim que se preveem incidentes voltados à obtenção de segurança, como o incidente de resolução de demandas repetitivas e o incidente de assunção de competência), assim como é evidente que essas Cortes têm – a partir da existência de precedentes sobre o caso que devem julgar – o dever de aplicá-los sem quebra de igualdade.
No entanto, a função dessas cortes está ligada justamente à exploração dos possíveis significados dos textos jurídicos a partir do controle da justiça do caso concreto (a interpretação do direito é apenas um meio para chegar-se ao fim controle da justiça do caso).
É diferente do que ocorre com as Cortes Supremas, em que o caso concreto é apenas um meio a partir do qual se parte para chegar-se ao fim interpretação do direito.
Enquanto inexiste precedente da Corte Suprema encarregada de formá-lo, o desacordo interpretativo é em grande medida inevitável, dado o caráter equívoco da linguagem em que vazados os textos legislados.
Daí que seria necessário particularizar no art. 926, CPC, que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm o dever de dar unidade ao direito.
A partir da existência de precedentes constitucionais e de precedentes federais, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça têm o dever de controlar a uniforme aplicação desses precedentes.
Isso porque as Cortes de Justiça – e os juízes de primeiro grau – são responsáveis por fomentar o debate a respeito de quais são as melhores opções interpretativas para os desacordos inerentes à interpretação do direito: tolher esse debate, não deixando espaços para que vingue, serve apenas para obtenção de uma solução para os problemas jurídicos – não necessariamente para obtenção da solução melhor ou mais amadurecida pelo diálogo e pela experiência judiciária.
Em outras palavras: não necessariamente uma solução amadurecida democraticamente pelo diálogo institucional no e do Poder Judiciário.
Devidamente distinguidas as funções das Cortes Supremas das Cortes de Justiça, deixando-se de lado o uso genérico do termo tribunais, fica fácil perceber que a função dessas Cortes de modo nenhum pode ser identificada com a de uniformização.
E isso porque a uniformização pressupõe justamente tornar uniforme algo que a princípio não o é, o que exige atar a tarefa dessas Cortes à finalidade de controle de casos.
Para uniformizar, é preciso conhecer o que é disforme: pressupõe-se justamente a ausência de uniformidade na interpretação e aplicação do direito.
Quando se pensa no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça como cortes de interpretação e de precedentes, porém, a partir do exato momento em que esses tribunais dão determinada interpretação, constitui grave infidelidade ao direito deixá-la de lado na aplicação dos casos concretos que recaem em seus âmbitos de aplicação (STJ, 6.ª Turma, HC 274.806/SP, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 18.02.2014; STJ, 6.ª Turma, HC 276.152/SP, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 31.03.2014.).
Daí que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça – como Cortes Supremas que são – devem dar unidade ao direito e não propriamente uniformizá-lo.
Essas Cortes não devem repetir inúmeras e inúmeras vezes diante de milhares de casos concretos a mesma solução jurídica para uniformizar a aplicação do direito no nosso país.
Devem dar unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes que compõem o sistema encarregado de distribuir justiça a fim de evitar a dispersão do sistema jurídico.
Nessa linha, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, que têm o dever de controlar a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos – o que obviamente inclui o dever de aplicação isonômica do direito.
(…)
Stare Decisis. A necessidade de compatibilização horizontal e vertical das decisões judiciais decorre da necessidade de segurança jurídica, de liberdade e de igualdade como princípios básicos de qualquer Estado Constitucional. Normalmente, a imprescindibilidade dessa compatibilização é retratada pela máxima stare decisis et quieta non movere, que determina o respeito aos precedentes das Cortes Supremas e à jurisprudência vinculante produzida pelas Cortes de Justiça. O stare decisis pode ser horizontal (respeito aos próprios precedentes e à própria jurisprudência vinculante) ou vertical (respeito aos precedentes e à jurisprudência vinculante das Cortes a que submetidos os órgãos jurisdicionais).
Stare Decisis Horizontal. O art. 926, CPC, institui claramente o que a doutrina chama de stare decisis horizontal. Ao dizer expressamente que há dever de outorgar unidade ao direito e de fazê-lo seguro – o que implica torná-lo cognoscível, estável e confiável – o legislador obviamente determinou ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça respeito aos próprios precedentes, além de ter determinado aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça respeito à própria jurisprudência formada a partir dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência. Isso porque a primeira condição para que exista um sistema de precedentes e de compatibilização vertical das decisões judiciais é o respeito por parte das Cortes Supremas aos seus próprios precedentes. Do ponto de vista da administração da Justiça Civil, não é possível respeitar quem não se respeita. Verificado o respeito aos próprios precedentes, é possível exigir o respeito dos outros. E é exatamente por essa razão que logo na sequência o legislador institui o chamado stare decisis vertical (art. 927, CPC): isto é, a necessidade de que o Poder Judiciário seja visto como uma unidade, isto é, tendo apenas uma única face para a pessoa que espera justiça. A necessidade de stare decisis horizontal decorre do princípio da segurança jurídica, notadamente da necessidade de estabilidade do sistema jurídico.
O STF, tomando por base os ensinamentos acima, já proferiu precedente nesse sentido. Veja, no caso, a ementa do processo de relatoria do Excelentíssimo Ministro Edson Fachin:
INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. ART. 93, I, CRFB. EC 45/2004. TRIÊNIO DE ATIVIDADE JURÍDICA PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO. REQUISITO DE EXPERIMENTAÇÃO PROFISSIONAL. MOMENTO DA COMPROVAÇÃO. INSCRIÇÃO DEFINITIVA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA. ADI 3.460. REAFIRMAÇÃO DO PRECEDENTE PELA SUPREMA CORTE. PAPEL DA CORTE DE VÉRTICE. UNIDADE E ESTABILIDADE DO DIREITO. VINCULAÇÃO AOS SEUS PRECEDENTES. STARE DECISIS. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DE SUPERAÇÃO TOTAL (OVERRULING) DO PRECEDENTE.
1. A exigência de comprovação, no momento da inscrição definitiva (e não na posse), do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito como condição de ingresso nas carreiras da magistratura e do ministério público (arts. 93, I e 129, § 3º, CRFB – na redação da Emenda Constitucional n. 45/2004) foi declarada constitucional pelo STF na ADI 3.460.
2. Mantidas as premissas fáticas e normativas que nortearam aquele julgamento, reafirmam-se as conclusões (ratio decidendi) da Corte na referida ação declaratória.
3. O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal Federal impõe-lhe dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes.
4. Conclusão corroborada pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente em seu artigo 926, que ratifica a adoção por nosso sistema da regra do stare decisis, que densifica a segurança jurídica e promove a liberdade e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de uma perspectiva lógico-argumentativa da interpretação. (MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016).
5. A vinculação vertical e horizontal decorrente do stare decisis relaciona-se umbilicalmente à segurança jurídica, que impõe imediatamente a imprescindibilidade de o direito ser cognoscível, estável, confiável e efetivo, mediante a formação e o respeito aos precedentes como meio geral para obtenção da tutela dos direitos. (MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista do Tribunais, 2013).
6. Igualmente, a regra do stare decisis ou da vinculação aos precedentes judiciais é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões, salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação, a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação. Daí se dizer que os precedentes possuem uma força presumida ou subsidiária. (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiro, 2011).
7. Nessa perspectiva, a superação total de precedente da Suprema Corte depende de demonstração de circunstâncias (fáticas e jurídicas) que indiquem que a continuidade de sua aplicação implicam ou implicarão inconstitucionalidade.
8. A inocorrência desses fatores conduz, inexoravelmente, à manutenção do precedente já firmado.
9. Tese reafirmada: é constitucional a regra que exige a comprovação do triênio de atividade jurídica privativa de bacharel em Direito no momento da inscrição definitiva.
10. Recurso extraordinário desprovido. (STF – RE: 655265 DF – DISTRITO FEDERAL, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/04/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-164 05-08-2016)
Sob outro aspecto, ultrapassada a fase de conhecimento, procedendo-se o trânsito em julgado do processo, tem-se que a decisão judicial baseada em norma declarada inconstitucional é inexigível.
Logo, como os títulos executivos, sejam judiciais, sejam extrajudiciais, precisam ser dotados das características da obrigação certa, líquida e exigível, a decisão judicial transitada em julgado se encontra em desconformidade e pode ser objeto de defesa pela parte contrária.
Todavia, deve ser realizada uma diferenciação sobre o momento da declaração de inconstitucionalidade, por parte da Corte Suprema, para se buscar o meio adequado cabível para a inexigibilidade de tal decisão exequenda.
Isso porque, se a decisão do STF, declarando a norma inconstitucional, for anterior ao trânsito em julgado da demanda, será possível a parte alegar a inexigibilidade do título através de impugnação ao cumprimento de sentença.
Vejamos:
E qual seria a medida correta para afastar o título baseado em norma declarada inconstitucional pelo STF após o trânsito em julgado da decisão exequenda? A resposta é a ação rescisória.
E o prazo decadencial à propositura da referida ação é contado a partir da decisão proferida pelo STF que declarou a norma inconstitucional. Observe:
Desse modo, deveria o candidato realizar a separação dos momentos narrados para indicar quais os meios de impugnação cabíveis para afastar o título executivo judicial baseado em norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
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