“O ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse. […] é um vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse. Nisto se distingue do dever — e da obrigação — que consubstancia vínculo imposto àquela mesma vontade, porém no interesse de outrem. Por isso que o não-cumprimento do ônus não acarreta, para o sujeito, sanção jurídica, mas tão-somente uma certa desvantagem […]”.
Nota sobre a Distinção entre Obrigação, Dever e ônus – Eros Roberto Grau. Explique a relação entre os tipos de defesas de mérito e o ônus da prova.
Resposta
O enunciado exige que o candidato explicite os dois tipos de defesas de mérito e, então, os correlacionem com o ônus da prova.
O diploma processual civil estabelece que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e, ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (CPC/15, art. 373, I e II).
Trata-se da distribuição estática do ônus da prova, pois prévia e abstratamente prevista pelo legislador.
A referida distribuição não é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, certo de que, já no Código de Processo Civil de 1973, a previsão era a mesma.
Código de Processo Civil de 1973
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
No entanto, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe importantes inovações: a previsão expressa de uma distribuição dinâmica do ônus da prova (CPC/15, art. 373, §1º), bem como a possibilidade da distribuição por convenção das partes (CPC/15, art. 373, §3º).
A distribuição dinâmica do ônus da prova, ao contrário da estática, é feita pelo próprio magistrado a partir do caso concreto, considerando a impossibilidade/excessiva dificuldade de cumprir tal como previsto pelo legislador na distribuição estática ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Vejamos:
Código de Processo Civil de 2015
Art. 373. O ônus da prova incumbe: […]
- 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
- 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Assim, a título de exemplo, quando se tratar de uma alegação negativa, em que, comumente, a prova é impossível ou de difícil produção (devil’s proof, probatio diabolica ou prova diabólica), o juiz pode, se valendo da distribuição dinâmica, inverter o ônus da prova.
É por este motivo que também se denominam esta distribuição como “distribuição do ônus da prova ope judicis”, ou seja, “distribuição do ônus da prova por força de decisão judicial”.
Pois, bem, traçadas essas pequenas considerações acerca do ônus da prova, podemos analisar as defesas de mérito e, por fim, correlacioná-los.
De acordo com a doutrina, as defesas apresentadas pelo réu podem ser divididas em defesas processuais e defesas de mérito.
As defesas processuais, que por sua vez se dividem em defesas dilatórias, peremptórias e dilatórias potencialmente peremptórias, são aquelas que não dizem respeito ao direito material, mas à regularidade formal do processo, e estão previstas no art. 337 do CPC/15:
Código de Processo Civil de 2015
Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
I – inexistência ou nulidade da citação;
II – incompetência absoluta e relativa;
III – incorreção do valor da causa;
IV – inépcia da petição inicial;
V – perempção;
VI – litispendência;
VII – coisa julgada;
VIII – conexão;
IX – incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;
X – convenção de arbitragem;
XI – ausência de legitimidade ou de interesse processual;
XII – falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;
XIII – indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.
As defesas dilatórias adiam o fim do processo, enquanto as defesas peremptórias produzem o fim do processo, sem resolução do mérito.
Por sua vez, as defesas dilatórias potencialmente peremptórias são inicialmente dilatórias porque dilatam o prazo de encerramento do processo, mas, caso o autor não sane o vício processual, o processo será extinto (por isso são potencialmente peremptórias).
Por outro lado, as defesas de mérito atacam o direito material pretendido pelo autor e serão analisadas somente se não for promovida defesa processual ou caso esta não seja acolhida.
As defesas de mérito se dividem em:
a) defesas de mérito direta, e;
b) defesas de mérito indireta.
A defesa de mérito direta ataca os fatos e fundamentos jurídicos (causa de pedir) apresentados pelo autor e objetiva evidenciar que os fatos não ocorreram de acordo com a narrativa constante da inicial ou que os efeitos jurídicos não são aqueles pretendidos pelo autor.
Na defesa de mérito indireta, por outro lado, o réu reconhece que os fatos narrados na inicial existiram, mas apresenta um fato novo impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Portanto, a depender da defesa de mérito promovida pelo réu, este poderá atrair ou não o ônus probatório para si.
Isso, pois, conforme visto, se ele simplesmente negar a existência do direito do autor, ou seja, não acrescentar nenhum fato novo, o ônus será do próprio autor, pois, conforme a primeira regra da distribuição estática, o ônus da prova cabe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito (CPC/15, art. 373, I).
Por outro lado, se o réu promover uma defesa de mérito indireta, reconhecendo que os fatos existiram, porém alegando outros fatos novos, não há mais a necessidade de uma prova pelo autor quanto ao alegado por ele, ante a confissão pelo réu.
Assim, o ônus da prova é atraído para o réu, ao qual incumbirá o ônus da prova quanto à existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor por ele alegado (CPC/15, art. 373, II).
Nesse sentido, sempre elucidativos os ensinamentos da doutrina:
O réu pode defender-se simplesmente negando os fatos trazidos pelo autor, quando sobre ele, a princípio, não pesa qualquer ônus de fazer prova – sem excluir a possibilidade de contraprova abaixo mencionada. Trata-se da chamada defesa direta […]. Mas se trouxer fatos novos (defesa indireta), aptos a modificar o direito do autor, extingui-lo ou impedir que ele nasça, cabe-lhe o encargo legal de prova-los, afinal de contas é seu interesse que esse direito não seja reconhecido.
(DIDIER JR., Fredie; et al. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. ed. 10. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015. p.111 )
O demandado apresenta defesa indireta quando agrega ao processo fato novo, que impede, modifica ou extingue o direito do autor.
Isso acontece quando o demandado aduz uma exceção substancial (defesa indireta de mérito que não pode ser conhecida ex officio pelo magistrado – art. 350 do CPC) ou uma objeção substancial (defesa de mérito que pode ser examinada de ofício pelo magistrado).
(DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. ed. 17. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015. p.636)
Importante, ainda, destacar, como alerta a doutrina, que tais regras, não apenas orientam as partes sobre o que precisam provar, mas também orientam o juízo acerca de “como decidir em caso de insuficiência das provas produzidas (ônus objetivo) – o último refúgio para evitar o non liquet”.
É dizer: são essas regras que indicam quem deve suportar as consequências negativas da ausência de prova, sendo justamente esta a situação de desvantagem mencionada no trecho transcrito no enunciado da questão.
Assim, temos que as defesas de mérito, direta e indireta, estão umbilicalmente relacionadas com a distribuição estática do ônus da prova.
Detonando na Discursiva 26 de julho
“O ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse. […] é um vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse. Nisto se distingue do dever — e da obrigação — que consubstancia vínculo imposto àquela mesma vontade, porém no interesse de outrem. Por isso que o não-cumprimento do ônus não acarreta, para o sujeito, sanção jurídica, mas tão-somente uma certa desvantagem […]”.
Nota sobre a Distinção entre Obrigação, Dever e ônus – Eros Roberto Grau. Explique a relação entre os tipos de defesas de mérito e o ônus da prova.
Resposta
O enunciado exige que o candidato explicite os dois tipos de defesas de mérito e, então, os correlacionem com o ônus da prova.
O diploma processual civil estabelece que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e, ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (CPC/15, art. 373, I e II).
Trata-se da distribuição estática do ônus da prova, pois prévia e abstratamente prevista pelo legislador.
A referida distribuição não é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, certo de que, já no Código de Processo Civil de 1973, a previsão era a mesma.
Código de Processo Civil de 1973
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
No entanto, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe importantes inovações: a previsão expressa de uma distribuição dinâmica do ônus da prova (CPC/15, art. 373, §1º), bem como a possibilidade da distribuição por convenção das partes (CPC/15, art. 373, §3º).
A distribuição dinâmica do ônus da prova, ao contrário da estática, é feita pelo próprio magistrado a partir do caso concreto, considerando a impossibilidade/excessiva dificuldade de cumprir tal como previsto pelo legislador na distribuição estática ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Vejamos:
Código de Processo Civil de 2015
Art. 373. O ônus da prova incumbe: […]
Assim, a título de exemplo, quando se tratar de uma alegação negativa, em que, comumente, a prova é impossível ou de difícil produção (devil’s proof, probatio diabolica ou prova diabólica), o juiz pode, se valendo da distribuição dinâmica, inverter o ônus da prova.
É por este motivo que também se denominam esta distribuição como “distribuição do ônus da prova ope judicis”, ou seja, “distribuição do ônus da prova por força de decisão judicial”.
Pois, bem, traçadas essas pequenas considerações acerca do ônus da prova, podemos analisar as defesas de mérito e, por fim, correlacioná-los.
De acordo com a doutrina, as defesas apresentadas pelo réu podem ser divididas em defesas processuais e defesas de mérito.
As defesas processuais, que por sua vez se dividem em defesas dilatórias, peremptórias e dilatórias potencialmente peremptórias, são aquelas que não dizem respeito ao direito material, mas à regularidade formal do processo, e estão previstas no art. 337 do CPC/15:
Código de Processo Civil de 2015
Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
I – inexistência ou nulidade da citação;
II – incompetência absoluta e relativa;
III – incorreção do valor da causa;
IV – inépcia da petição inicial;
V – perempção;
VI – litispendência;
VII – coisa julgada;
VIII – conexão;
IX – incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;
X – convenção de arbitragem;
XI – ausência de legitimidade ou de interesse processual;
XII – falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;
XIII – indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.
As defesas dilatórias adiam o fim do processo, enquanto as defesas peremptórias produzem o fim do processo, sem resolução do mérito.
Por sua vez, as defesas dilatórias potencialmente peremptórias são inicialmente dilatórias porque dilatam o prazo de encerramento do processo, mas, caso o autor não sane o vício processual, o processo será extinto (por isso são potencialmente peremptórias).
Por outro lado, as defesas de mérito atacam o direito material pretendido pelo autor e serão analisadas somente se não for promovida defesa processual ou caso esta não seja acolhida.
As defesas de mérito se dividem em:
a) defesas de mérito direta, e;
b) defesas de mérito indireta.
A defesa de mérito direta ataca os fatos e fundamentos jurídicos (causa de pedir) apresentados pelo autor e objetiva evidenciar que os fatos não ocorreram de acordo com a narrativa constante da inicial ou que os efeitos jurídicos não são aqueles pretendidos pelo autor.
Na defesa de mérito indireta, por outro lado, o réu reconhece que os fatos narrados na inicial existiram, mas apresenta um fato novo impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Portanto, a depender da defesa de mérito promovida pelo réu, este poderá atrair ou não o ônus probatório para si.
Isso, pois, conforme visto, se ele simplesmente negar a existência do direito do autor, ou seja, não acrescentar nenhum fato novo, o ônus será do próprio autor, pois, conforme a primeira regra da distribuição estática, o ônus da prova cabe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito (CPC/15, art. 373, I).
Por outro lado, se o réu promover uma defesa de mérito indireta, reconhecendo que os fatos existiram, porém alegando outros fatos novos, não há mais a necessidade de uma prova pelo autor quanto ao alegado por ele, ante a confissão pelo réu.
Assim, o ônus da prova é atraído para o réu, ao qual incumbirá o ônus da prova quanto à existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor por ele alegado (CPC/15, art. 373, II).
Nesse sentido, sempre elucidativos os ensinamentos da doutrina:
O demandado apresenta defesa indireta quando agrega ao processo fato novo, que impede, modifica ou extingue o direito do autor.
Isso acontece quando o demandado aduz uma exceção substancial (defesa indireta de mérito que não pode ser conhecida ex officio pelo magistrado – art. 350 do CPC) ou uma objeção substancial (defesa de mérito que pode ser examinada de ofício pelo magistrado).
(DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. ed. 17. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015. p.636)
Importante, ainda, destacar, como alerta a doutrina, que tais regras, não apenas orientam as partes sobre o que precisam provar, mas também orientam o juízo acerca de “como decidir em caso de insuficiência das provas produzidas (ônus objetivo) – o último refúgio para evitar o non liquet”.
É dizer: são essas regras que indicam quem deve suportar as consequências negativas da ausência de prova, sendo justamente esta a situação de desvantagem mencionada no trecho transcrito no enunciado da questão.
Assim, temos que as defesas de mérito, direta e indireta, estão umbilicalmente relacionadas com a distribuição estática do ônus da prova.
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