O projeto de Lei XXX, de iniciativa do Deputado Estadual Caio, e pautado para votação na Assembleia Legislativa do Estado XYZ, dispõe sobre normas inerentes ao direito tributário e processual tributário, contendo especificamente em seu artigo 3º o seguinte conteúdo:
“(…) Art.3 – No âmbito das Sociedades Limitadas cujo sócio possua domicílio estranho ao território do Estado XYZ, em caso de inadimplência de obrigação tributária acessória ou principal pela Sociedade, haverá responsabilidade solidária e pessoal do sócio no pagamento da obrigação”
A minuta do projeto de lei é enviada à Procuradoria Geral do Estado para análise de sua constitucionalidade. Como Procurador do Estado, disserte sobre a juridicidade da medida legal.
Resposta
Num primeiro momento, a cobrança do tributo deve ser realizada do indivíduo praticante do fato gerador, situação que faz surgir o sujeito passivo direto, isto é, o contribuinte.
Em determinados cenários, poderá, ainda, haver a presença de um terceiro, que será destinatário da cobrança do Estado.
Aqui teremos a caracterização da responsabilidade tributária referente ao sujeito passivo indireto (art. 128 do CTN).
Esta, por seu turno, poderá ser:
Responsabilidade por substituição: o responsável ou substituto ocupa o lugar do contribuinte a partir do fato gerador, despontando como sujeito passivo desde o implemento da obrigação tributária;
Responsabilidade por transferência: o responsável ocupa o lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador, ou seja, há um fato que se dá posteriormente ao surgimento da obrigação e acarreta a transferência da sujeição passiva para um terceiro.
A partir da definição de contribuinte, constante do art. 121, parágrafo único, I, do CTN, pode-se dizer que a responsabilidade do sujeito passivo direto é originária, em face da patente identidade entre aquele que deve pagar o tributo e o que realizou o fato gerador, obtendo benefícios econômicos deste.
Sobre tal relação, pode-se identificar no CTN um critério econômico de incidência, ao se determinar a cobrança do gravame daquele que obteve vantagem econômica decorrente do fato imponível, sendo irrelevantes os critérios territorial e de cidadania (ver arts. 118 e 126 do CTN).
Nessa toada, evidencia-se que o fato gerador serve como indicador da capacidade contributiva do indivíduo.
Por outro lado, a responsabilidade do sujeito passivo indireto é derivada, despontando a figura do responsável como aquele que tem sua obrigação prevista expressamente em lei, devendo arcar com o ônus tributário sem ter realizado o fato gerador.
No entanto, não se permite a atribuição do pagamento do tributo a terceiro que não tenha vinculação com o fato gerador, conforme os arts. 121, parágrafo único, II, e 128, ambos do CTN.
Sobre o tema, veja as lições de Eduardo Sabbag (2018):
“Responsabilidade por substituição. A lei determina que terceiro substitua o contribuinte antes da ocorrência do fato gerador. Pode-se verificar tal situação mais frequentemente quanto ao ICMS e ao IR. Exemplo: a Caixa Econômica Federal mostra-se como substituto tributário, quanto ao IR incidente sobre o prêmio de loteria a ser pago a um ganhador. A propósito do ICMS, no contexto da substituição tributária, insta mencionar uma subdivisão presente na doutrina: a substituição “para trás” e a substituição “para frente”.
Ver STJ:
REsp 1.318.163/PR-2014 (após a admissão dos embargos de divergência, houve seu julgamento na 1ª Seção do STJ, em 14 de junho de 2017, ratificando-se a tese de que “a repetição de indébito tributário só pode ser postulada pelo sujeito passivo que pagou, ou seja, que arcou efetivamente com o ônus financeiro da cobrança, conforme a interpretação dos artigos 121 e 165 do Código Tributário Nacional”)
REsp 1.218.222/RS-2014. Responsabilidade por transferência – Na responsabilidade por transferência, a escolha do responsável acontece posteriormente a ocorrência do fato gerador, “transferindo-se” o ônus tributário para um terceiro determinado em lei. Depois de surgida a obrigação tributária contra um (o contribuinte), a relação jurídica é transferida para outrem, em virtude de um fato posterior, por exemplo, a venda e compra do bem, a morte do contribuinte 8.1.2.1. O a) b) c) d) e) etc.”
Por seu turno, a responsabilidade por transferência se divide em: – Por solidariedade tributária passiva (arts. 124 e 125 do CTN); – Dos sucessores (arts. 130 a 133 do CTN) – De terceiros (art. 134 e 135 do CTN).
A quem compete dispor sobre direito tributário?
Trata-se de competência concorrente, nos termos do art. 24, I, da CF/88. Nas matérias, do art. 24 da CF/88, a repartição das competências observará a seguinte lógica:
- União: tem competência para estabelecer as normas gerais sobre tais assuntos.
- Estados/DF: têm competência para complementar as normas gerais.
Assim, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
Isso significa que os Estados-membros podem complementar a legislação federal editada pela União.
Obviamente, as normas estaduais não podem contrariar as normas gerais elaboradas pela União.
Por seu turno, o tema “responsabilidade tributária” está diretamente relacionado com “obrigação tributária”, sendo, portanto, assunto que deve ser tratado por lei complementar federal por se enquadrar na previsão do art. 146, III, “b”, da CF/88:
Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…)
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
Deste modo, cabe ao CTN a regulamentação sobre responsabilidade tributária.
Nesta toada, embora Estados e Municípios possam legislar sobre o tema, devem se atentar aos parâmetros estabelecidos pelo CTN, não sendo possível a criação de uma nova espécie de responsabilidade, como ocorreu no caso concreto.
Neste sentido, é a jurisprudência:
É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional (CTN).
Há, neste caso, uma inconstitucionalidade formal.
Ao ampliar as hipóteses de responsabilidade de terceiros por infrações, prevista pelos arts. 134 e 135 do CTN, ou tratar sobre o tema de maneira diferente, a lei estadual invade competência do legislador complementar federal para estabelecer as normas gerais na matéria (art. 146, III, “b”, da CF/88).
Caso concreto: é inconstitucional lei estadual que atribui responsabilidade tributária solidária por infrações a toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, especialmente a advogado, economista e correspondente fiscal.
STF. Plenário. ADI 4845/MT, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 13/2/2020 (Info 966).
Detonando na Discursiva 25 de outubro
O projeto de Lei XXX, de iniciativa do Deputado Estadual Caio, e pautado para votação na Assembleia Legislativa do Estado XYZ, dispõe sobre normas inerentes ao direito tributário e processual tributário, contendo especificamente em seu artigo 3º o seguinte conteúdo:
A minuta do projeto de lei é enviada à Procuradoria Geral do Estado para análise de sua constitucionalidade. Como Procurador do Estado, disserte sobre a juridicidade da medida legal.
Resposta
Num primeiro momento, a cobrança do tributo deve ser realizada do indivíduo praticante do fato gerador, situação que faz surgir o sujeito passivo direto, isto é, o contribuinte.
Em determinados cenários, poderá, ainda, haver a presença de um terceiro, que será destinatário da cobrança do Estado.
Aqui teremos a caracterização da responsabilidade tributária referente ao sujeito passivo indireto (art. 128 do CTN).
Esta, por seu turno, poderá ser:
Responsabilidade por substituição: o responsável ou substituto ocupa o lugar do contribuinte a partir do fato gerador, despontando como sujeito passivo desde o implemento da obrigação tributária;
Responsabilidade por transferência: o responsável ocupa o lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador, ou seja, há um fato que se dá posteriormente ao surgimento da obrigação e acarreta a transferência da sujeição passiva para um terceiro.
A partir da definição de contribuinte, constante do art. 121, parágrafo único, I, do CTN, pode-se dizer que a responsabilidade do sujeito passivo direto é originária, em face da patente identidade entre aquele que deve pagar o tributo e o que realizou o fato gerador, obtendo benefícios econômicos deste.
Sobre tal relação, pode-se identificar no CTN um critério econômico de incidência, ao se determinar a cobrança do gravame daquele que obteve vantagem econômica decorrente do fato imponível, sendo irrelevantes os critérios territorial e de cidadania (ver arts. 118 e 126 do CTN).
Nessa toada, evidencia-se que o fato gerador serve como indicador da capacidade contributiva do indivíduo.
Por outro lado, a responsabilidade do sujeito passivo indireto é derivada, despontando a figura do responsável como aquele que tem sua obrigação prevista expressamente em lei, devendo arcar com o ônus tributário sem ter realizado o fato gerador.
No entanto, não se permite a atribuição do pagamento do tributo a terceiro que não tenha vinculação com o fato gerador, conforme os arts. 121, parágrafo único, II, e 128, ambos do CTN.
Sobre o tema, veja as lições de Eduardo Sabbag (2018):
Ver STJ:
Por seu turno, a responsabilidade por transferência se divide em: – Por solidariedade tributária passiva (arts. 124 e 125 do CTN); – Dos sucessores (arts. 130 a 133 do CTN) – De terceiros (art. 134 e 135 do CTN).
A quem compete dispor sobre direito tributário?
Trata-se de competência concorrente, nos termos do art. 24, I, da CF/88. Nas matérias, do art. 24 da CF/88, a repartição das competências observará a seguinte lógica:
Assim, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
Isso significa que os Estados-membros podem complementar a legislação federal editada pela União.
Obviamente, as normas estaduais não podem contrariar as normas gerais elaboradas pela União.
Por seu turno, o tema “responsabilidade tributária” está diretamente relacionado com “obrigação tributária”, sendo, portanto, assunto que deve ser tratado por lei complementar federal por se enquadrar na previsão do art. 146, III, “b”, da CF/88:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
Deste modo, cabe ao CTN a regulamentação sobre responsabilidade tributária.
Nesta toada, embora Estados e Municípios possam legislar sobre o tema, devem se atentar aos parâmetros estabelecidos pelo CTN, não sendo possível a criação de uma nova espécie de responsabilidade, como ocorreu no caso concreto.
Neste sentido, é a jurisprudência:
É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional (CTN).
Há, neste caso, uma inconstitucionalidade formal.
Ao ampliar as hipóteses de responsabilidade de terceiros por infrações, prevista pelos arts. 134 e 135 do CTN, ou tratar sobre o tema de maneira diferente, a lei estadual invade competência do legislador complementar federal para estabelecer as normas gerais na matéria (art. 146, III, “b”, da CF/88).
Caso concreto: é inconstitucional lei estadual que atribui responsabilidade tributária solidária por infrações a toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, especialmente a advogado, economista e correspondente fiscal.
STF. Plenário. ADI 4845/MT, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 13/2/2020 (Info 966).
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