Detonando na Discursiva 23 de agosto

PERGUNTA

Determinado administrador público, por desídia, e também com a intenção de buscar celebrar uma nova licitação para buscar interesses pessoais, em 03/03/17, deixou de assinar renovação de contrato administrativo com a sociedade empresarial ABC, prestadora de serviços de segurança em determinada escola pública do Estado-membro. Com base nisso, em 20/03/17, resolveu abrir procedimento licitatório para um novo contrato, mas, para evitar a descontinuidade do serviço, no mesmo dia do final da avença com a empresa ABC, efetuou a contratação direta da empresa DEF, pelo prazo de seis meses, de 04/03/17 até 31/08/17, para a prestação do referido serviço. Ocorre que, em 25/08/17, o Poder Público obteve notícia de que, por motivos de força maior, não imputáveis aos licitantes, tampouco à Administração Pública, o procedimento de contratação do licitante vencedor, a empresa GHI, demorou mais do que o previsto e a sociedade empresarial contratada só poderá ficar responsável pelo serviço a partir de 15/09/17. Analisando a situação hipotética, responda, de forma fundamentada:

A) A conduta de realizar a contratação direta encontra amparo legal e jurisprudencial?
B) Aborde a (in)viabilidade da prorrogação do contrato com a sociedade empresarial DEF para demonstrar as soluções que podem ser dadas para evitar a descontinuidade do serviço de 01/09/17 a 15/09/17.

RESPOSTA

Inicialmente, deveria o candidato conceituar o instituto da licitação, abordando a regra de se elaborar um certame público e impessoal para a contratação de serviços em prol do interesse público, mas com exceções permitidas na lei. É o que prevê o art. 37, XXI, da CF/88:

Constituição Federal de 1988 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Além disso, como o enunciado indicou expressamente a data de 2017, a legislação vigente a ser aplicada é a Lei n. 8.666/93. Nesse sentido, e regulamentando o tema, o art. 24, IV, da Lei 8.666/93, prevê a seguinte hipótese de dispensa de licitação:

Lei 8.666/93 Art. 24. É dispensável a licitação: IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

Posteriormente, deveria o candidato se atentar à hipótese de emergência fabricada na situação narrada, já que o administrador pretendia, de forma intencional, deixar transcorrer o prazo de renovação para, na nova licitação, buscar interesses pessoais. Ocorre que, como a legislação não faz diferenciação entre a emergência real ou fabricada, deve ser permitida a contratação direta mesmo nesse tipo de ocorrência. É, inclusive, o entendimento do Tribunal de Contas da União:

A situação prevista no art. 24, VI, da Lei n° 8.666/93 não distingue a emergência real, resultante do imprevisível, daquela resultante da incúria ou inércia administrativa, sendo cabível, em ambas as hipóteses, a contratação direta, desde que devidamente caracterizada a urgência de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. (ACÓRDÃO TCU 1876/2007, Rel. AROLDO CEDRAZ; Data da Sessão: 12/09/2007).

Sendo assim, uma vez comprovada a emergência, já que a ausência de segurança na escola compromete a integridade dos alunos matriculados, bem como das demais pessoas que acessam o local, e que o prazo de 180 dias seria suficiente, em tese, para encerrar o procedimento licitatório para a contratação de uma nova sociedade empresarial, seria possível a contratação direta nesse caso, ainda que se trate de uma emergência fabricada. Isso porque, pensar contrariamente, seria permitir o administrador realizar um duplo erro: a) ausência de assinatura da renovação contratual; e b) deixar de promover a continuidade do serviço em favor da população: “9. Obviamente, como se depreende do acima transcrito, não pode o administrador incorrer em duplo erro: além de não planejar as suas atividades, permitir que a sua desídia cause maiores prejuízos à Administração e/ou a terceiros. 10. Enfatizo, dessa forma, que a dispensa de licitação, com fundamento no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, se caracteriza como uma inadequação aos procedimentos normais de licitação, constituindo-se, sob esse prisma, num poder-dever e não numa faculdade para o administrador, sob pena de ser responsabilizado pelos prejuízos que a sua inércia venha a causar, independentemente de qualquer planejamento. (…)13. Diante do exposto, forçoso é reconhecer que a ausência de planejamento e a dispensa de licitação devem ser tratadas como irregularidades independentes e distintas (…) 14. Consoante bem definiu o Voto que fundamentou a Decisão n° 138/98 – Plenário acima referenciado, a ausência de planejamento e a contratação direta fundamentada em situação de emergência caracterizam situações distintas, não necessariamente excludentes. Estará incorrendo em duplo erro o administrador que, ante a situação de iminente perigo, deixar de adotar as situações emergenciais recomendáveis, ainda que a emergência tenha sido causada por incúria administrativa. Há que se fazer a clara definição da responsabilidade: na eventual situação aludida, o responsável responderá pela incúria, não pela contratação emergencial. (ACÓRDÃO TCU 1876/2007, Rel. AROLDO CEDRAZ; Data da Sessão: 12/09/2007)”. Entretanto, deve ser instaurado, concomitantemente à hipótese de contratação direta, processos disciplinares, civis e, eventualmente penais, para se identificar a responsabilidade do causador do fato, podendo, também, gerar ato de improbidade administrativa causadora de prejuízo ao erário. Veja, inclusive, apenas como exemplo, a Orientação Normativa 11/09, da AGU: ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 11, DE 1º DE ABRIL DE 2009 O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00400.015975/2008-95, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993: A CONTRATAÇÃO DIRETA COM FUNDAMENTO NO INC. IV DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE 1993, EXIGE QUE, CONCOMITANTEMENTE, SEJA APURADO SE A SITUAÇÃO EMERGENCIAL FOI GERADA POR FALTA DE PLANEJAMENTO, DESÍDIA OU MÁ GESTÃO, HIPÓTESE QUE, QUEM LHE DEU CAUSA SERÁ RESPONSABILIZADO NA FORMA DA LEI. INDEXAÇÃO: DISPENSA DE LICITAÇÃO. EMERGÊNCIA. CONTRATAÇÃO DIRETA. FALTA DE PLANEJAMENTO. DESÍDIA. MÁ GESTÃO. RESPONSABILIDADE. APURAÇÃO. REFERÊNCIA: art. 24, inc. IV, da Lei nº 8.666, de 1993; Acórdão TCU 1.876/2007-Plenário. JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI

Lei 8.429/92 Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva;

Dessa forma, era de se concluir pela possibilidade da contratação direta no caso em tela. Todavia, em paralelo, deve-se apurar as condutas praticadas para posterior responsabilidade do administrador público. Em outro contexto, quanto à possibilidade de prorrogação da contratação direta emergencial, em uma interpretação literal e expressa do dispositivo legal, observa-se a impossibilidade de adiamento do referido contrato:

Parcela da doutrina também entende de tal forma, já que admitir eventual renovação acarretaria na violação do art. 24, IV, da Lei 8.66/93. Sendo assim, competiria ao administrador público efetuar uma nova contratação emergencial, comprovando, novamente, os requisitos da urgência e de ocasionar o comprometimento da segurança de pessoas. Ocorre que, em sentido oposto, o TCU possui precedentes no sentido de admitir a prorrogação para além dos 180 dias da contratação emergencial. Para tanto, deve se tratar de hipótese restrita, resultante de fato superveniente devidamente comprovado. Além disso, a prorrogação deve se limitar a tempo razoável e suficiente para enfrentar a situação de emergência. Observe: Relativamente a essa matéria, a jurisprudência consolidada do TCU é de que é vedada a prorrogação de contrato fundamentado na dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública, exceto em hipóteses restritas, resultantes de fato superveniente, e desde que a duração do contrato se estenda por lapso de tempo razoável e suficiente para enfrentar a situação emergencial. Exemplos são os Acórdãos 1.667/2008-Plenário, 1.424/2007-1a Câmara, 788/2007-Plenário, 1.095/2007-Plenário bem como as Decisões 645/2002-Plenário e 820/1996-Plenário. (TCU, Acórdão nº 1.022/2013, Plenário, j. Em 24.04.2013). Logo, como a hipótese seria excepcional e decorrente de fato superveniente, seria possível a inclusão da situação narrada na excepcionalidade admitida, a fim de que seja possível a prorrogação contratual até 15/09/17, nos termos da jurisprudência do TCU. Dessa forma, deveria o candidato indicar as duas soluções (vedação de prorrogação e nova contratação direta; e possibilidade, já que houve fato superveniente capaz de autorizar a prorrogação, conforme jurisprudência do TCU) para obter a pontuação integral do tópico.

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