José, domiciliado em XX, recebe citação referente a uma ação de reintegração de posse, promovida por Maria, em face dele.
Isso se deu ao fato de que Maria já ocupava o referido imóvel, motivo pelo qual José seria considerado um invasor.
Ato contínuo, em cognição sumária, o magistrado concedeu a tutela provisória para Maria, que passou a ser possuidora de boa-fé do bem, realizando benfeitorias no local.
Todavia, durante a instrução probatória do processo, identificou-se que o imóvel pertence ao Estado Y.
Posteriormente, em um imóvel vizinho, a sociedade ABC está realizando a construção de determinado empreendimento, mas que, devido a isso, a obra atingiu uma rua que liga a avenida principal e a casa de Maria.
Sendo assim, Maria resolveu ingressar com uma ação judicial de reintegração de posse, tendo em vista que tal construção está impedindo o acesso dela à sua moradia e ao seu trabalho.
Porfim, o Estado Y, também através de uma ação de reintegração de posse, solicitou a retirada de Maria do local, sob a alegação de que é proprietário do bem. Maria, por sua vez, alegou que ocupa o bem há mais de 35 (trinta e cinco) anos antes da invasão de José.
Além disso, mesmo que fosse para se retirar, só poderia acontecer tal fato mediante o pagamento das benfeitorias, já que, por ter ocupado o bem de boa-fé, possui o direito a tais valores, podendo, inclusive, utilizar a garantia da retenção do imóvel.
Examine as três ações judiciais identificadas nos parágrafos acima e determine a legalidade dos procedimentos.
Resposta
Inicialmente, consideram-se bens públicos:
CC/02 Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Por sua vez, o Código Civil conceitua quem se considera possuidor de imóvel:
CC/02 Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Nesse sentido, ao possuidor, o ordenamento jurídico assegura determinados direitos, inclusive os relativos às benfeitorias e ao direito de retenção, quando de boa-fé, e às benfeitorias necessárias, se de má-fé:
CC/02 Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Ocorre que, por se tratar de bem público, o particular jamais poderá exercer algum direito de propriedade.
Logo, não poderá o particular se enquadrar como possuidor de imóvel público, mas sim como mero detentor.
Em razão disso, ao detentor não se aplicam os direitos relativos aos possuidores, não cabendo, portanto, direito às benfeitorias e à retenção. Outro, inclusive, não é o entendimento sumulado do
STJ: Súmula 619 STJ: A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.
Logo, não há qualquer relação entre boa-fé ou má-fé no caso em tela. Isso porque o particular é mero detentor do bem público, não podendo se valer dos institutos inerentes ao possuidor.
Quanto ao outro argumento de Maria, não importa o tempo decorrido, já que não existe usucapião de bem público:
CF/88 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
CC/02 Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Dessa forma, a terceira ação de reintegração de Posse (ESTADO Y x Maria) deve ser declarada procedente, já que não há usucapião em face de bem público, associado ao fato de que o particular exerce mera detenção do referido imóvel, não podendo se valer das benfeitorias e do direito de retenção.
Apesar disso, a mesma conclusão, quanto à detenção e impossibilidade de defesa possessória, não pode ser levada quando o conflito envolver dois particulares disputando um bem público.
Isso porque, como se encontram em situações semelhantes, ambos sendo, em tese, invasores de bem público, será possível verificar uma disputa possessória entre os particulares.
Por conta disso, o STJ passou a admitir o manejo de ações possessórias em litígio entre particulares sobre bem público dominical, levando em consideração a função social da posse, a isonomia e a dignidade da pessoa humana:
RECURSO ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO DOMINICAL. LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL. OCORRÊNCIA.
1. Na ocupação de bem público, duas situações devem ter tratamentos distintos:
i) aquela em que o particular invade imóvel público e almeja proteção possessória ou indenização/retenção em face do ente estatal e
ii) as contendas possessórias entre particulares no tocante a imóvel situado em terras públicas.
2. A posse deve ser protegida como um fim em si mesma, exercendo o particular o poder fático sobre a res e garantindo sua função social, sendo que o critério para aferir se há posse ou detenção não é o estrutural e sim o funcional. É a afetação do bem a uma finalidade pública que dirá se pode ou não ser objeto de atos possessórias por um particular.
3. A jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que o particular tem apenas detenção em relação ao Poder Público, não se cogitando de proteção possessória.
4. É possível o manejo de interditos possessórios em litígio entre particulares sobre bem público dominical, pois entre ambos a disputa será relativa à posse.
5. À luz do texto constitucional e da inteligência do novo Código Civil, a função social é base normativa para a solução dos conflitos atinentes à posse, dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
6. Nos bens do patrimônio disponível do Estado (dominicais), despojados de destinação pública, permite-se a proteção possessória pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social.
7. A ocupação por particular de um bem público abandonado/desafetado – isto é, sem destinação ao uso público em geral ou a uma atividade administrativa -, confere justamente a função social da qual o bem está carente em sua essência.
8. A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais deve ser conciliada com a regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos. (STF, Súm 340; CF, arts. 183, § 3º; e 192; CC, art. 102); um dos efeitos jurídicos da posse – a usucapião – será limitado, devendo ser mantido, no entanto, a possibilidade de invocação dos interditos possessórios pelo particular.
9. Recurso especial não provido.
(STJ – REsp: 1296964 DF 2011/0292082-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 18/10/2016, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/12/2016 IP vol. 102 p. 209).
Logo, na primeira situação, Maria pode se valer da proteção possessória em face de José. Por fim, tratando-se de bens públicos de uso comum do povo (como as vias/ruas, por exemplo), o particular poderá se utilizar de ações possessórias para se valer de sua utilização, tal como a necessidade de uso para fins de servidão de passagem, como é o caso em tela.
É, também, o entendimento do STJ:
Particulares podem ajuizar ação possessória para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de passagem. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.176-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/9/2016).
Dessa forma, caberia ao candidato indicar a possibilidade de ajuizamento da reintegração de posse, mesmo se tratando de bem público, já que é cabível a sua utilização para resguardar o livre exercício de uso de bem público de uso comum criada como servidão de passagem.
Detonando na Discursiva 17 de janeiro
José, domiciliado em XX, recebe citação referente a uma ação de reintegração de posse, promovida por Maria, em face dele.
Isso se deu ao fato de que Maria já ocupava o referido imóvel, motivo pelo qual José seria considerado um invasor.
Ato contínuo, em cognição sumária, o magistrado concedeu a tutela provisória para Maria, que passou a ser possuidora de boa-fé do bem, realizando benfeitorias no local.
Todavia, durante a instrução probatória do processo, identificou-se que o imóvel pertence ao Estado Y.
Posteriormente, em um imóvel vizinho, a sociedade ABC está realizando a construção de determinado empreendimento, mas que, devido a isso, a obra atingiu uma rua que liga a avenida principal e a casa de Maria.
Sendo assim, Maria resolveu ingressar com uma ação judicial de reintegração de posse, tendo em vista que tal construção está impedindo o acesso dela à sua moradia e ao seu trabalho.
Porfim, o Estado Y, também através de uma ação de reintegração de posse, solicitou a retirada de Maria do local, sob a alegação de que é proprietário do bem. Maria, por sua vez, alegou que ocupa o bem há mais de 35 (trinta e cinco) anos antes da invasão de José.
Além disso, mesmo que fosse para se retirar, só poderia acontecer tal fato mediante o pagamento das benfeitorias, já que, por ter ocupado o bem de boa-fé, possui o direito a tais valores, podendo, inclusive, utilizar a garantia da retenção do imóvel.
Examine as três ações judiciais identificadas nos parágrafos acima e determine a legalidade dos procedimentos.
Resposta
Inicialmente, consideram-se bens públicos:
Por sua vez, o Código Civil conceitua quem se considera possuidor de imóvel:
Nesse sentido, ao possuidor, o ordenamento jurídico assegura determinados direitos, inclusive os relativos às benfeitorias e ao direito de retenção, quando de boa-fé, e às benfeitorias necessárias, se de má-fé:
Ocorre que, por se tratar de bem público, o particular jamais poderá exercer algum direito de propriedade.
Logo, não poderá o particular se enquadrar como possuidor de imóvel público, mas sim como mero detentor.
Em razão disso, ao detentor não se aplicam os direitos relativos aos possuidores, não cabendo, portanto, direito às benfeitorias e à retenção. Outro, inclusive, não é o entendimento sumulado do
STJ: Súmula 619 STJ: A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.
Logo, não há qualquer relação entre boa-fé ou má-fé no caso em tela. Isso porque o particular é mero detentor do bem público, não podendo se valer dos institutos inerentes ao possuidor.
Quanto ao outro argumento de Maria, não importa o tempo decorrido, já que não existe usucapião de bem público:
Dessa forma, a terceira ação de reintegração de Posse (ESTADO Y x Maria) deve ser declarada procedente, já que não há usucapião em face de bem público, associado ao fato de que o particular exerce mera detenção do referido imóvel, não podendo se valer das benfeitorias e do direito de retenção.
Apesar disso, a mesma conclusão, quanto à detenção e impossibilidade de defesa possessória, não pode ser levada quando o conflito envolver dois particulares disputando um bem público.
Isso porque, como se encontram em situações semelhantes, ambos sendo, em tese, invasores de bem público, será possível verificar uma disputa possessória entre os particulares.
Por conta disso, o STJ passou a admitir o manejo de ações possessórias em litígio entre particulares sobre bem público dominical, levando em consideração a função social da posse, a isonomia e a dignidade da pessoa humana:
Logo, na primeira situação, Maria pode se valer da proteção possessória em face de José. Por fim, tratando-se de bens públicos de uso comum do povo (como as vias/ruas, por exemplo), o particular poderá se utilizar de ações possessórias para se valer de sua utilização, tal como a necessidade de uso para fins de servidão de passagem, como é o caso em tela.
É, também, o entendimento do STJ:
Particulares podem ajuizar ação possessória para resguardar o livre exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de passagem. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.176-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/9/2016).
Dessa forma, caberia ao candidato indicar a possibilidade de ajuizamento da reintegração de posse, mesmo se tratando de bem público, já que é cabível a sua utilização para resguardar o livre exercício de uso de bem público de uso comum criada como servidão de passagem.
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