Conceitue e indique os pressupostos para configuração do “Estado de Coisas Inconstitucional” à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Resposta
O tema dialoga com a temática dos direitos fundamentais e é de suma importância para sua prova, uma vez que se trata de tema de predileção do Examinador de Direito Constitucional.
A definição mais comum do chamado “estado de coisas inconstitucional – ECI” é no sentido de que se trata de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.
Historicamente, o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) foi reconhecido pela primeira vez na Corte Constitucional Colombiana, em 1997.
Em um primeiro contexto, estava em jogo a aplicação de direitos previdenciários a professores colombianos (Sentencia de Unificación nº 559/1997); em um segundo contexto, a questão penitenciária colombiana (após provocação envolvendo as penitenciárias de Medellín e Bogotá) (Sentencia de Tutela nº 153/1998); em um terceiro contexto, o deslocamento forçado de pessoas por conta da violência desencadeada pela ação de grupos armados (Sentencia T-025/2004).
No tocante aos direitos previdenciários, 45 professores das cidades colombianas de Zambrano e Maria La Baja tiveram seus respectivos direitos previdenciários, inerentes à entidade de classe dos docentes, maciça e estruturalmente violados pelas autoridades locais, que os negaram porque se recusaram a filiar tais docentes ao Fundo Nacional de Prestações do Magistério.
Conquanto tenham se recusado a filiá-los ao aludido fundo, estavam as autoridades contraditoriamente promovendo descontos dos salários desses professores não filiados para subsidiar exatamente o fundo que pretendiam aderir.
Em que pese a demanda ter sido proposta por uma classe limitada de professores, a Corte Constitucional colombiana verificou que o descumprimento da obrigação era sistemático e generalizado, apanhando expressivo número de docentes para além daqueles que figuravam como deflagradores da ação.
Foi então que, em alteração hermenêutica histórica no campo do controle e execução das políticas públicas estatais, a corte entendeu que, em virtude de um “dever de colaboração” com os demais poderes, cabia-lhe, ex officio, expandir os limites subjetivos da demanda para alcançar quem, inclusive, não era parte, mas, no entanto, estava sendo afetado em seus direitos fundamentais previdenciários decorrentes das graves omissões dos poderes públicos.
Declarou-se, então, aquilo que se denominou pela vez primeira de estado de coisas inconstitucional.
Determinou-se aos aludidos municípios colombianos que se encontrassem em posição similar, como consequência, a correção do estado de inconstitucionalidade estrutural em prazo razoável, bem como procedeu ao envio de cópias da sentença a diversas autoridades estatais para a adoção de providências práticas administrativas e orçamentárias complexas, coordenadas e concertadas com vistas à superação do quadro sistemático de inconstitucionalidades que se desvelavam no país.
Em todos os casos, pontos em comum partiram da existência de três requisitos (cumulativos) para que o instituto em comento fosse reconhecido:
- o primeiro deles, a existência de verdadeiro litígio estrutural envolvendo a questão submetida à apreciação judicial, não bastando, portanto, a mera proteção ineficiente para o reconhecimento do ECI;
- o segundo deles, um contexto de massiva violação de direitos fundamentais, não bastando, pois, pontuais afrontas para que o instituto se materialize (é claro que violações a direitos fundamentais importam a necessidade de movimentação do aparato estatal a fim de que estas cessem, afinal, a compreensão dos destinatários das normas constitucionais é individualizada; desrespeitos pontuais e casuísticos, contudo, não ensejam a inconstitucionalidade generalizada de um Estado de Coisas);
- o terceiro deles, a deliberada omissão dos Poderes Públicos em fazer cessar o contexto estrutural de massiva violação de direitos (deste modo, caso fique demonstrado que as autoridades que compõem a Administração Pública estão atuando proativamente em prol da resolução do problema, de modo que esta somente não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente público, não restará caracterizada omissão suficiente a ensejar Estado de Coisas Inconstitucional).
Nesta esteira, o Estado de Coisas Inconstitucional não se assemelha às ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo, porque não se fixam em um dado caso ou uma dada inconstitucionalidade de determinada lei, emenda ou ato normativo, mesmo que de forma abstrata.
É mais que isso. Parte, sim, de uma visão generalizada do problema, o qual tem expressão mais caótica e que afeta a todos no estado de direito, direta ou indiretamente.
O estado de coisas inconstitucional na jurisprudência do STF
Um dos temas constitucionais mais candentes na pauta atual do Supremo Tribunal Federal, entre múltiplos outros que a todo instante desbordam sob a jurisdição de uma Suprema Corte é a “técnica” de decisão denominada estado de coisas inconstitucional (ECI).
No Brasil, a categoria do estado de coisas inconstitucional foi pela primeira vez objeto de debate (talvez de adoção) no STF com o julgamento da polêmica medida cautelar na ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), formalizada pelo PSOL contra a União e os entes subnacionais, em que se questionavam as graves e drásticas violações a direitos fundamentais operadas no âmbito do sistema carcerário brasileiro.
Neste sentido:
“CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.”
Ocorre que, em teoria, o Supremo reconheceu os vícios estruturais do sistema penitenciário brasileiro, foi vanguardista, encampou um discurso reconhecedor da perversidade de quem, sob a custódia do Estado, vive em uma masmorra prisional.
No entanto, na prática, tentando conciliar o talvez inconciliável, a Suprema Corte não avançou na incorporação efetiva do ECI porque buscou destravar bloqueios políticos e institucionais sem, no entanto, ao menos impor, ou melhor, construir medidas dialógicas com os demais poderes por receio de violação à tradicional estrutura típica de separação de poderes e de cautela em relação à compreensão hermenêutica clássica do princípio democrático.
Ao fim e ao cabo, embora não tenha sido aplicada em sua inteireza até o momento na jurisprudência do STF, o estado de coisas inconstitucional suscita no hermeneuta constitucional algumas preocupações à luz do princípio democrático no sentido de qual é o papel dos tribunais, especialmente das cortes constitucionais?
Invalidar atos normativos ou corrigir falhas estruturais em políticas públicas?
Estaríamos passando ou se cogitando de uma remodelagem dos desenhos funcionais das cortes constitucionais?
Se sim, quais seriam os seus — novos — limites institucionais?
ATENÇÃO! Em se tratando de uma prova de procuradoria é sempre recomendável uma análise crítica do instituto, uma vez que ao fim e ao cabo se trata de intervenção do judiciário no campo das políticas públicas, o que deve ser visto com extrema parcimônia sob pela de violação da separação de poderes.
Detonando na Discursiva 11 de outubro
Conceitue e indique os pressupostos para configuração do “Estado de Coisas Inconstitucional” à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Resposta
O tema dialoga com a temática dos direitos fundamentais e é de suma importância para sua prova, uma vez que se trata de tema de predileção do Examinador de Direito Constitucional.
A definição mais comum do chamado “estado de coisas inconstitucional – ECI” é no sentido de que se trata de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.
Historicamente, o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) foi reconhecido pela primeira vez na Corte Constitucional Colombiana, em 1997.
Em um primeiro contexto, estava em jogo a aplicação de direitos previdenciários a professores colombianos (Sentencia de Unificación nº 559/1997); em um segundo contexto, a questão penitenciária colombiana (após provocação envolvendo as penitenciárias de Medellín e Bogotá) (Sentencia de Tutela nº 153/1998); em um terceiro contexto, o deslocamento forçado de pessoas por conta da violência desencadeada pela ação de grupos armados (Sentencia T-025/2004).
No tocante aos direitos previdenciários, 45 professores das cidades colombianas de Zambrano e Maria La Baja tiveram seus respectivos direitos previdenciários, inerentes à entidade de classe dos docentes, maciça e estruturalmente violados pelas autoridades locais, que os negaram porque se recusaram a filiar tais docentes ao Fundo Nacional de Prestações do Magistério.
Conquanto tenham se recusado a filiá-los ao aludido fundo, estavam as autoridades contraditoriamente promovendo descontos dos salários desses professores não filiados para subsidiar exatamente o fundo que pretendiam aderir.
Em que pese a demanda ter sido proposta por uma classe limitada de professores, a Corte Constitucional colombiana verificou que o descumprimento da obrigação era sistemático e generalizado, apanhando expressivo número de docentes para além daqueles que figuravam como deflagradores da ação.
Foi então que, em alteração hermenêutica histórica no campo do controle e execução das políticas públicas estatais, a corte entendeu que, em virtude de um “dever de colaboração” com os demais poderes, cabia-lhe, ex officio, expandir os limites subjetivos da demanda para alcançar quem, inclusive, não era parte, mas, no entanto, estava sendo afetado em seus direitos fundamentais previdenciários decorrentes das graves omissões dos poderes públicos.
Declarou-se, então, aquilo que se denominou pela vez primeira de estado de coisas inconstitucional.
Determinou-se aos aludidos municípios colombianos que se encontrassem em posição similar, como consequência, a correção do estado de inconstitucionalidade estrutural em prazo razoável, bem como procedeu ao envio de cópias da sentença a diversas autoridades estatais para a adoção de providências práticas administrativas e orçamentárias complexas, coordenadas e concertadas com vistas à superação do quadro sistemático de inconstitucionalidades que se desvelavam no país.
Em todos os casos, pontos em comum partiram da existência de três requisitos (cumulativos) para que o instituto em comento fosse reconhecido:
Nesta esteira, o Estado de Coisas Inconstitucional não se assemelha às ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo, porque não se fixam em um dado caso ou uma dada inconstitucionalidade de determinada lei, emenda ou ato normativo, mesmo que de forma abstrata.
É mais que isso. Parte, sim, de uma visão generalizada do problema, o qual tem expressão mais caótica e que afeta a todos no estado de direito, direta ou indiretamente.
O estado de coisas inconstitucional na jurisprudência do STF
Um dos temas constitucionais mais candentes na pauta atual do Supremo Tribunal Federal, entre múltiplos outros que a todo instante desbordam sob a jurisdição de uma Suprema Corte é a “técnica” de decisão denominada estado de coisas inconstitucional (ECI).
No Brasil, a categoria do estado de coisas inconstitucional foi pela primeira vez objeto de debate (talvez de adoção) no STF com o julgamento da polêmica medida cautelar na ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), formalizada pelo PSOL contra a União e os entes subnacionais, em que se questionavam as graves e drásticas violações a direitos fundamentais operadas no âmbito do sistema carcerário brasileiro.
Neste sentido:
Ocorre que, em teoria, o Supremo reconheceu os vícios estruturais do sistema penitenciário brasileiro, foi vanguardista, encampou um discurso reconhecedor da perversidade de quem, sob a custódia do Estado, vive em uma masmorra prisional.
No entanto, na prática, tentando conciliar o talvez inconciliável, a Suprema Corte não avançou na incorporação efetiva do ECI porque buscou destravar bloqueios políticos e institucionais sem, no entanto, ao menos impor, ou melhor, construir medidas dialógicas com os demais poderes por receio de violação à tradicional estrutura típica de separação de poderes e de cautela em relação à compreensão hermenêutica clássica do princípio democrático.
Ao fim e ao cabo, embora não tenha sido aplicada em sua inteireza até o momento na jurisprudência do STF, o estado de coisas inconstitucional suscita no hermeneuta constitucional algumas preocupações à luz do princípio democrático no sentido de qual é o papel dos tribunais, especialmente das cortes constitucionais?
Invalidar atos normativos ou corrigir falhas estruturais em políticas públicas?
Estaríamos passando ou se cogitando de uma remodelagem dos desenhos funcionais das cortes constitucionais?
Se sim, quais seriam os seus — novos — limites institucionais?
ATENÇÃO! Em se tratando de uma prova de procuradoria é sempre recomendável uma análise crítica do instituto, uma vez que ao fim e ao cabo se trata de intervenção do judiciário no campo das políticas públicas, o que deve ser visto com extrema parcimônia sob pela de violação da separação de poderes.
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