A sociedade ABC desempenha determinado serviço público ao Município X via contrato de concessão, previamente licitado. Posteriormente, a referida municipalidade passou a identificar irregularidades graves na execução do contrato, comprometendo a adequada prestação do serviço público.
Diante disso, o Município X, de plano, sem qualquer prévia oitiva da sociedade ABC, determinou, via decreto, a intervenção no contrato de concessão.
Diante do ocorrido, bem como levando em consideração a jurisprudência e a legislação de regência, responda, de forma fundamentada:
a) Agiu corretamente o Município? Caso positivo, qual o fundamento? Em caso negativo, qual conduta judicial poderá se valer a sociedade ABC?
b) A transferência do controle societário da sociedade concessionária pode ser realizada sem prévio procedimento licitatório?
c) Em que consiste o step-in rights? Ele é admitido no ordenamento jurídico?
Espelho Comentado
A questão envolve uma situação semelhante que o STJ julgou no presente ano. No caso, uma determinada concessionária de serviço público deixou de prestar corretamente o serviço.
Diante disso, o município decretou a intervenção no contrato sem prévio contraditório. Irresignada, a sociedade empresarial impetrou mandado de segurança.
Decidindo em última análise, o STJ declarou a inexistência de previsão legal para que o contraditório seja prévio.
Ademais, a própria legislação afirma que, depois de ter sido declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de 30 dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.
Lei 8.987/95 Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.
Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida.
Art. 33. Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.
§ 1o Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização
§ 2o O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção.
Art. 34. Cessada a intervenção, se não for extinta a concessão, a administração do serviço será devolvida à concessionária, precedida de prestação de contas pelo interventor, que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão.
ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO.
I – Na origem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas impetrou mandado de segurança visando à decretação da nulidade da intervenção no sistema de transporte coletivo urbano do Município de Manaus-AM.
II – O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas denegou a ordem entendendo dispensável estabelecer contraditório prévio à decretação da intervenção, afastando a alegação de confisco e decidiu que seria necessária a produção de prova pericial.
III – Conforme se extrai do regime jurídico do art. 175 da Constituição e da Lei de Concessoes – Lei n. 8.987/1995, o Estado delega a prestação de alguns serviços públicos, resguardando a si, na qualidade de poder concedente, a prerrogativa de regulamentar, controlar e fiscalizar a atuação do delegatário. A intervenção no contrato de concessão visa assegurar a adequação na prestação do serviço público, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes (art. 32 da Lei n. 8.987/1995).
IV – De um lado, o poder concedente deve “instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa” (art. 33 da Lei n. 8.987/1995).
De outro, não se pode desconsiderar que eventuais ilegalidades no curso do procedimento dependem de comprovação de prejuízo.
V – Em se tratando de intervenção, o direito de defesa do concessionário só é propiciado após a decretação da intervenção, a partir do momento em que for instaurado o procedimento administrativo para apuração das irregularidades. Isso porque a intervenção possui finalidades investigatória e fiscalizatória, e não punitivas.
VI – No caso, não cabe a concessão da segurança, dado que a impetração exigiria atividade instrutória mediante produção de provas, inclusive periciais, a fim de esclarecer eventual reequilíbrio econômico-financeiro no contrato, bem como as alegadas nulidades no curso da intervenção no contrato de concessão firmado entre as concessionárias de transporte coletivo e o Município de Manaus. Não foi demonstrado o alegado direito líquido e certo, bem como não houve comprovação, de plano, da violação ao direito por ato ilegal ou abusivo atribuído às autoridades públicas.
VII – Recurso ordinário desprovido.
(STJ – RMS: 66794 AM 2021/0193711-6, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 22/02/2022, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/03/2022).
Logo, tratando-se de intervenção, o direito de defesa do concessionário só é propiciado após a decretação da intervenção, razão pela qual o município agiu corretamente no caso.
Em outro contexto, a Constituição da República de 1988 exige o prévio procedimento licitatório para que haja a transferência do serviço público ao concessionário:
CF/88 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Também há previsão nesse sentido na Lei de Concessões Comuns (Lei 8.987/95):
Lei 8.987/95 Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
IV – permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
No tocante especificamente à transferência do controle societário da concessionária, o art. 27, da Lei 8.987/95 exige tão somente a prévia concordância do poder concedente, o atendimento às exigências técnicas, idoneidade financeira, regularidade jurídica, regularidade fiscal e as previsões contratuais, sob pena de caducidade:
Lei 8.987/95 Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. § 1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá:
I – atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e
II – comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
A PGR, sob o fundamento de que o dispositivo legal acima viola a regra da licitação na concessão, ajuizou ação solicitando a inconstitucionalidade dele.
O STF, todavia, declarou a norma constitucional. Entre outros argumentos, a Suprema Corte definiu que mesmo com essa transferência, a base objetiva do contrato continuará intacta.
Portanto, permanecem o mesmo objeto contratual, as mesmas obrigações contratuais e a mesma equação econômico-financeira, ocorrendo tão somente uma modificação subjetiva (substituição dos sócios do contratado), mas sem alterar a proposta mais vantajosa.
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 27, caput e § 1º, da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, renumerado pela Lei nº 11.196/05. Transferência da concessão ou do controle societário da concessionária. Alegada violação do art. 175 da Constituição Federal. Vício inexistente. Isonomia e impessoalidade. Princípios correlatos do dever de licitar. Ofensa não configurada. Caráter personalíssimo ou natureza intuito personae dos contratos administrativos. Superação da tese. Finalidades do procedimento licitatório. Seleção da proposta mais vantajosa, com respeito à isonomia e à impessoalidade. Garantia institucional. Possibilidade de alteração contratual objetiva e subjetiva. Concessões públicas. Peculiaridades. Caráter dinâmico e incompleto desses contratos. Mutabilidade contratual. Pressuposto de estabilidade e segurança jurídica das concessões. Finalidade da norma impugnada. Medida de duplo escopo. Transferência da concessão X subconcessão dos serviços públicos. Distinção. Formação de relação contratual nova. Improcedência do pedido.
1. A concepção de que os contratos administrativos ostentam caráter personalíssimo ou natureza intuitu personae “reflete uma transposição mecânica do direito administrativo francês anterior ou, quando menos, traduz um regime jurídico não mais existente”
(JUSTEN FILHO, Marçal. Considerações acerca da modificação subjetiva dos contratos administrativos. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP. Belo Horizonte: Editora Fórum, ano 4, n. 41, maio/2005).
2. Em nosso sistema jurídico, o que interessa à Administração é, sobretudo, a seleção da proposta mais vantajosa, independentemente da identidade do particular contratado ou dos atributos psicológicos ou subjetivos de que disponha. Como regra geral, as características pessoais, subjetivas ou psicológicas são indiferentes para o Estado. No tocante ao particular contratado, basta que tenha comprovada capacidade para cumprir as obrigações assumidas no contrato.
3. O princípio constitucional da impessoalidade veda que a Administração Pública tenha preferência por esse ou aquele particular. Então, a identidade do particular contratado não é relevante por si mesmo, devendo ser considerada apenas e tão somente na justa medida em que representa o preenchimento dos requisitos objetivos e previamente definidos, previstos na lei e no edital do certame.
4. É a proposta mais vantajosa que, prima facie, vincula a Administração. Mantidos seus termos, não se pode afirmar que a modificação do particular contratado implica, automática e necessariamente, burla à regra da obrigatoriedade de licitação ou ofensa aos princípios constitucionais correlatos, mormente nos casos de concessão, dada a natureza incompleta e dinâmica desses contratos e a necessidade de se zelar pela continuidade da prestação adequada dos serviços públicos.
5. Tendo em vista que as concessões públicas se estabelecem em bases não completamente definidas e cambiantes conforme múltiplos fatores externos, só é possível cogitar a estabilidade econômica e segurança jurídica das relações e situações a ela relacionadas a partir da mutabilidade contratual. Desse modo, considerando a dinâmica peculiar e complexa das concessões públicas, é natural – e até salutar – que o próprio regime jurídico das concessões contenha institutos que permitam aos concessionários se ajustarem às vicissitudes da execução contratual. As transferências da concessão e do controle societário da concessionária, previstas no dispositivo legal impugnado, são exemplos de institutos dessa natureza.
6. Os contratos de concessão seguem uma modelagem própria e inovadora, distinta do padrão de contratação previsto na Lei nº 8.666/93. Não há na Constituição brasileira de 1988 fundamento que ampare a suposição de uniformidade do regime nuclear dos contratos públicos. Existem regimes diversos de contratação administrativa que convivem paralelamente e de forma pontualmente subsidiária, não havendo embates entre os modelos previstos nas Leis nº 8.666/93 e nº 8.987/95.
7. A norma impugnada é uma “via de mão dupla”, porque, “por um lado, busca equacionar a rigidez do contrato com a dinâmica do mundo negocial (…); por outro, assegura à Administração Pública o controle da regularidade desse ato”. Trata-se de norma de duplo escopo, que institui a anuência da Administração Pública como relevante prerrogativa de verificação da regularidade da avença havida entre particulares, em prol do interesse público.
8. Mesmo no tocante aos serviços públicos, a exigência constitucional de licitação prévia não se traduz em regra absoluta e inflexível. Ao contrário. Os comandos constitucionais inscritos no art. 37, inciso XXI, e no art. 175, caput, a par de estipularem, como regra, a obrigatoriedade de licitação, não definem, eles próprios, os exatos contornos do dever de licitar, cabendo ao legislador ordinário ampla liberdade quanto a sua conformação, à vista da dinamicidade e da variedade das situações fáticas a serem abrangidas pela respectiva normatização. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de privilegiar a escolha legislativa, desde que protegidos os valores constitucionais assegurados pela garantia da licitação.
9. Do cotejo da norma impugnada com o parâmetro constitucional de controle, verifica-se que eles se referem a momentos distintos da contratação, possuindo diferentes âmbitos de incidência. O art. 175 da Constituição exige a realização de licitação para a outorga inicial da prestação dos serviços públicos a particulares. Enquanto isso, o art. 27 da Lei nº 8.987/95 só se aplica após licitada a prestação do serviço público e formalizado o respectivo contrato de concessão. É no decorrer da execução contratual, e havendo anuência do poder concedente, que se procede à transferência da concessão ou do controle societário.
10. O ato de transferência da concessão e do controle societário da concessionária, nos termos do art. 27 da Lei nº 8.987/95, não se assemelha, em essência, à subconcessão de serviço público prevista no art. 26 do mesmo diploma, justificando-se o tratamento legal diferenciado. Diversamente da transferência da concessão ou do controle acionário, que não dá início a uma relação jurídico-contratual nova e mantém intacta a base objetiva do contrato, a subconcessão instaura uma relação jurídico-contratual inteiramente nova e distinta da anterior entre o poder concedente e a subconcessionária.
11. Na espécie, não se constata a alegada burla à exigência constitucional de prévia licitação para a concessão de serviços públicos, constante do art. 175 da CF, a qual é devidamente atendida com o certame levado a cabo para sua outorga inicial e cujos efeitos jurídicos são observados e preservados no ato de transferência mediante a anuência administrativa. Também não se pode cogitar afronta aos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade. No procedimento licitatório, a isonomia se concretiza ao se proporcionar a todos os particulares interessados em contratar com a Administração a faculdade de concorrerem em situação de igualdade. A impessoalidade, por sua vez, decorre da observância de regras objetivas e predefinidas na lei e no edital do certame para a seleção da proposta mais vantajosa, bem como para o escrutínio das características inerentes ao futuro contratado.
12. Não faz sentido exigir que o ato de transferência do art. 27 da Lei nº 8.987/95 observe os princípios da isonomia e da impessoalidade. A anuência é matéria reservada ao Administrador e pressupõe o atendimento de requisitos bem específicos. A par disso, a operação empresarial sobre a qual incide a anuência é, tipicamente, um negócio jurídico entre particulares e, como tal, é disciplinado pelo direito privado. O concessionário, como agente econômico que é, pode decidir sobre seus parceiros empresariais conforme critérios próprios. Não há, portanto, espaço para aplicação dos princípios da isonomia e da impessoalidade, os quais são típicos da relação verticalizada que possui uma entidade estatal em um dos polos.
13. Pedido julgado improcedente. (STF – ADI: 2946 DF 0002755-06.2003.1.00.0000, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 09/03/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 18/05/2022).
Dessa forma, é possível a transferência na situação narrada, desde que sejam respeitados os requisitos legais previstos no art. 27, da Lei 8.987/95.
Por fim, quanto ao último ponto da questão, há projetos que requerem grandes aportes iniciais de capital, como normalmente são os projetos de infraestrutura.
Nesses casos, interessa mais ao credor a continuidade do empreendimento do que a execução imediata da garantia do financiamento.
Prevendo tal possibilidade, o art. 27-A, da Lei de Concessões, concede aos financiadores e garantidores de concessionárias de serviços públicos o direito de assumirem o controle ou a administração temporária da concessionária para promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade dos serviços.
Esse direito é conhecido como step-in right.
Lei 8.987/95 Art. 27-A. Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle ou da administração temporária da concessionária por seus financiadores e garantidores com quem não mantenha vínculo societário direto, para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços.
§ 1o Na hipótese prevista no caput, o poder concedente exigirá dos financiadores e dos garantidores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no inciso I do parágrafo único do art. 27.
§ 2o A assunção do controle ou da administração temporária autorizadas na forma do caput deste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores para com terceiros, poder concedente e usuários dos serviços públicos.
§ 3o Configura-se o controle da concessionária, para os fins dispostos no caput deste artigo, a propriedade resolúvel de ações ou quotas por seus financiadores e garantidores que atendam os requisitos do art. 116 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
§ 4o Configura-se a administração temporária da concessionária por seus financiadores e garantidores quando, sem a transferência da propriedade de ações ou quotas, forem outorgados os seguintes poderes:
I – indicar os membros do Conselho de Administração, a serem eleitos em Assembleia Geral pelos acionistas, nas sociedades regidas pela Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976; ou administradores, a serem eleitos pelos quotistas, nas demais sociedades;
II – indicar os membros do Conselho Fiscal, a serem eleitos pelos acionistas ou quotistas controladores em Assembleia Geral;
III – exercer poder de veto sobre qualquer proposta submetida à votação dos acionistas ou quotistas da concessionária, que representem, ou possam representar, prejuízos aos fins previstos no caput deste artigo;
IV – outros poderes necessários ao alcance dos fins previstos no caput deste artigo.
§ 5o A administração temporária autorizada na forma deste artigo não acarretará responsabilidade aos financiadores e garantidores em relação à tributação, encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos com terceiros, inclusive com o poder concedente ou empregados.
§ 6o O Poder Concedente disciplinará sobre o prazo da administração temporária.
Sendo assim, e desde que respeitados os requisitos legais acima, o ordenamento jurídico brasileiro admite a figura do “step-in right”.
Detonando na Discursiva 28 de fevereiro
A sociedade ABC desempenha determinado serviço público ao Município X via contrato de concessão, previamente licitado. Posteriormente, a referida municipalidade passou a identificar irregularidades graves na execução do contrato, comprometendo a adequada prestação do serviço público.
Diante disso, o Município X, de plano, sem qualquer prévia oitiva da sociedade ABC, determinou, via decreto, a intervenção no contrato de concessão.
Diante do ocorrido, bem como levando em consideração a jurisprudência e a legislação de regência, responda, de forma fundamentada:
a) Agiu corretamente o Município? Caso positivo, qual o fundamento? Em caso negativo, qual conduta judicial poderá se valer a sociedade ABC?
b) A transferência do controle societário da sociedade concessionária pode ser realizada sem prévio procedimento licitatório?
c) Em que consiste o step-in rights? Ele é admitido no ordenamento jurídico?
Espelho Comentado
A questão envolve uma situação semelhante que o STJ julgou no presente ano. No caso, uma determinada concessionária de serviço público deixou de prestar corretamente o serviço.
Diante disso, o município decretou a intervenção no contrato sem prévio contraditório. Irresignada, a sociedade empresarial impetrou mandado de segurança.
Decidindo em última análise, o STJ declarou a inexistência de previsão legal para que o contraditório seja prévio.
Ademais, a própria legislação afirma que, depois de ter sido declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de 30 dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.
Logo, tratando-se de intervenção, o direito de defesa do concessionário só é propiciado após a decretação da intervenção, razão pela qual o município agiu corretamente no caso.
Em outro contexto, a Constituição da República de 1988 exige o prévio procedimento licitatório para que haja a transferência do serviço público ao concessionário:
Também há previsão nesse sentido na Lei de Concessões Comuns (Lei 8.987/95):
No tocante especificamente à transferência do controle societário da concessionária, o art. 27, da Lei 8.987/95 exige tão somente a prévia concordância do poder concedente, o atendimento às exigências técnicas, idoneidade financeira, regularidade jurídica, regularidade fiscal e as previsões contratuais, sob pena de caducidade:
A PGR, sob o fundamento de que o dispositivo legal acima viola a regra da licitação na concessão, ajuizou ação solicitando a inconstitucionalidade dele.
O STF, todavia, declarou a norma constitucional. Entre outros argumentos, a Suprema Corte definiu que mesmo com essa transferência, a base objetiva do contrato continuará intacta.
Portanto, permanecem o mesmo objeto contratual, as mesmas obrigações contratuais e a mesma equação econômico-financeira, ocorrendo tão somente uma modificação subjetiva (substituição dos sócios do contratado), mas sem alterar a proposta mais vantajosa.
Dessa forma, é possível a transferência na situação narrada, desde que sejam respeitados os requisitos legais previstos no art. 27, da Lei 8.987/95.
Por fim, quanto ao último ponto da questão, há projetos que requerem grandes aportes iniciais de capital, como normalmente são os projetos de infraestrutura.
Nesses casos, interessa mais ao credor a continuidade do empreendimento do que a execução imediata da garantia do financiamento.
Prevendo tal possibilidade, o art. 27-A, da Lei de Concessões, concede aos financiadores e garantidores de concessionárias de serviços públicos o direito de assumirem o controle ou a administração temporária da concessionária para promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade dos serviços.
Esse direito é conhecido como step-in right.
Sendo assim, e desde que respeitados os requisitos legais acima, o ordenamento jurídico brasileiro admite a figura do “step-in right”.
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