O Município X, identificando a necessidade de proteger bens com valores históricos e culturais, decidiu instituir uma lei municipal para efetuar o tombamento de determinados imóveis. Ocorre que a titularidade de tais bens é de propriedade da União. Diante disso, responda, de forma fundamentada:
- Quais são as modalidades de tombamento permitidas pela legislação? Indique a modalidade de tombamento no caso.
- Poderia o município, sem o devido contraditório da parte afetada, editar a norma?
- O Poder Legislativo Municipal usurpou competência do Poder Executivo ao instituir o tombamento no caso?
- A lei pode ser declarada inconstitucional por envolver tombamento de bens da União?
Espelho Comentado
Considera-se tombamento a intervenção restritiva da propriedade, consistente na obtenção de proteger o patrimônio cultural.
Tal instituto, inclusive, encontra previsão constitucional:
CF/88 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Tal patrimônio é abrangido por bens materiais e imateriais, gerando deveres ao proprietário, ocasionando limitações de uso, com a necessidade de autorização prévia para reforma, destruição ou demolição (art. 17, do DL 25/37) e de disposição, exigindo a comunicação da venda ao Poder Público (arts. 12 e art. 13, §1º e §3º, do DL 25/37), entre outros ônus (art. 19 do DL 25/37), que podem atingir inclusive propriedades vizinhas (art. 18 do DL 25/37).
DL 25/37 Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei. Art. 13.
O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
Além disso, o tombamento pode ocorrer de forma:
- Voluntária, concordância do proprietário (art. 7º do DL 25/37);
- Compulsória, em caso de discordância (arts. 8º e 9º do DL 25/37); ou
- De ofício, nos casos em que envolve bem público (art. 5º, do DL 25/37)
DL 25/37 Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.
Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. 8º Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo: 1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação. 2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo. 3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la.
Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento.
Dessa decisão não caberá recurso.
Desse modo, e respondendo a primeira alínea, trata-se, no caso, de um tombamento de ofício, por envolver bens públicos. Em outro contexto, quanto à necessidade de prévio contraditório, veja o que diz o dispositivo normativo:
DL 25/37 Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6º O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Assim, verifica-se que a lei exige uma notificação do proprietário envolvido. Todavia, o tempo em que tal notificação é realizada depende da modalidade de tombamento efetuada.
Isso porque o art. 10 determina que o tombamento privado (art. 6º do DL 25/37) deve ser iniciado através de notificação.
Por sua vez, o art. 5º, referente ao tombamento de bens públicos, estipula tão somente a notificação ao sujeito que pertencer.
Levando isso em consideração, o STF, quando do julgamento da ACO 1208, entendeu que a notificação prévia só se aplica aos tombamentos de bens particulares, já que o tombamento de bem público é feito de ofício e tem regulamento próprio, não se exigindo o contraditório prévio do proprietário.
Observe-se (fls. 19 e 20): Afirma a União que o ato de tombamento versado na Lei estadual 1.526/1994 ofende o princípio do devido processo legal, uma vez que não houve a sua notificação – proprietária do bem.
Tal como evidenciado no item anterior, não há que se falar em violação ao devido processo legal, apesar de o art. 10 do Decreto-Lei 25/1937 apontar que o tombamento provisório inicia-se com a notificação do proprietário:
‘Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo’.
Todavia, na realidade, esse artigo é aplicável ao tombamento de bem particular (voluntário ou definitivo) e não ao tombamento de bem público, uma vez que para este há norma específica, qual seja, o art. 5° do Decreto-Lei 25/37, a saber:
‘Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos’.
Da leitura desse dispositivo conclui-se que, ao se referir à modalidade de tombamento de ofício, a notificação é posterior ao ato de tombamento provisório.” (STF – ACO: 1208 MS – MATO GROSSO DO SUL 0004074-33.2008.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 03/05/2017)
Logo, não há que se falar em violação ao contraditório, uma vez que esse é dado de forma posterior ao ato de tombamento de ofício.
Além disso, a Constituição Federal prevê a competência comum e concorrente para que todos os entes políticos possam tratar da proteção dos bens de valor histórico, artístico e cultural (tombamento). Veja-se:
CF/88 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Dessa forma, já se vê a possibilidade de o Município poder efetuar a medida do tombamento. E se verifica, ainda, não ser de competência exclusiva do Executivo a proteção ao patrimônio, cabendo, também, ao Poder Legislativo Municipal, a sua efetuação, nos termos dos arts. 24, VII, c/c 30, I, II e IX, da CF/88.
Ademais, o tombamento se divide em duas fases, quais sejam: provisória e definitiva. A fase provisória se constitui mediante ato de natureza declaratória e ostenta caráter preventivo, de sorte que se consiste em etapa preparatória para sua implementação posterior pelo Poder Executivo, que cientificará o proprietário e dará sequência ao procedimento definitivo, a depender do caso.
É, inclusive, o entendimento do STJ:
‘PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TOMBAMENTO PROVISÓRIO. EQUIPARAÇÃO AO DEFINITIVO. EFICÁCIA.
1. O ato de tombamento, seja ele provisório ou definitivo, tem por finalidade preservar o bem identificado como de valor cultural, contrapondo-se, inclusive, aos interesses da propriedade privada, não só limitando o exercício dos direitos inerentes ao bem, mas também obrigando o proprietário às medidas necessárias à sua conservação.
O tombamento provisório, portanto, possui caráter preventivo e assemelha-se ao definitivo quanto às limitações incidentes sobre a utilização do bem tutelado, nos termos do parágrafo único do art. 10 do Decreto-Lei nº 25/37. 2.
O valor cultural pertencente ao bem é anterior ao próprio tombamento. A diferença é que, não existindo qualquer ato do Poder Público formalizando a necessidade de protegê-lo, descaberia responsabilizar o particular pela não conservação do patrimônio.
O tombamento provisório, portanto, serve justamente como um reconhecimento público da valoração inerente ao bem. (…) (REsp 753.534, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10.11.2011).
É nesse contexto de tombamento provisório que deve ser interpretado como o ato legislativo que considera relevante, do ponto de vista histórico ou cultural, determinado bem. Ou seja, o Legislativo pode, por lei, criar o tombamento, mas esse será provisório.
Foi esse o entendimento admitido pelo STF na ACO 1208 (fls. 15/18).
Entretanto, prossegue o Inteiro Teor da ACO 1208 (fl. 19) diferenciando o tombamento provisório do definitivo, considerando que apenas neste último é que o Poder Executivo tem a obrigação de atuar.
Observe-se:
“Ressalte-se, todavia, que, no caso de ato declaratório legal, para a consecução do tombamento definitivo, é necessário que haja continuidade do procedimento pelo Poder Executivo, competindo-lhe dar seguimento aos demais trâmites do tombamento, a depender do tipo: de ofício (bem público – art. 5º), voluntário (acordado com o proprietário – art. 7º) ou compulsório (independentemente da aquiescência do proprietário – art. 8º e 9º).
A lei ora questionada deve ser entendida apenas como declaração de tombamento para fins de preservação de bens de interesse local, que repercutam na memória histórica, urbanística ou cultural até que seja finalizado o procedimento subsequente.
Sob essa perspectiva, o ato legislativo em questão (Lei 1.526/94), que instituiu o tombamento, apresenta-se como lei de efeitos concretos, a qual se consubstancia em tombamento provisório – de natureza declaratória –, necessitando, todavia, de posterior implementação pelo Poder Executivo, mediante notificação posterior ao ente federativo proprietário do bem, nos termos do art. 5º do Decreto-Lei 25/37.”
(STF – ACO: 1208 MS – MATO GROSSO DO SUL 0004074-33.2008.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 03/05/2017)
Dessa forma, conclui-se que a lei municipal é válida, sendo uma norma de efeitos concretos, constituindo um tombamento provisório.
Portanto, não há que se falar em usurpação de competência do Poder Executivo.
Por fim, quanto ao item “d”, o art. 2º, §2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, norma que regula a Desapropriação por Utilidade Pública, admite que entes “maiores” possam desapropriar bens dos entes “menores”, desde que haja previsão legal:
DL 3.365/41 Art. 2o Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
§ 2o Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.
Desse modo, poderia a União desapropriar bens dos Estados e dos Municípios, bem como o Estado poderia desapropriar bem do Município.
Todavia, há o questionamento no sentido de ser possível ou não a aplicação da Hierarquia Verticalizada ao tombamento. Decidindo o tema, o STF entendeu pela inaplicabilidade da Hierarquia Verticalizada ao tombamento.
Isso porque, além de possuir regramento próprio, o art. 5º, do DL n. 25/37, admite o tombamento entre os Entes Políticos, o denominado tombamento de ofício, como já visto.
Observe-se: Inicialmente, destaque-se que o tombamento possui disciplina própria, qual seja, o Decreto-Lei 25/1937.
Em razão disso, é necessário realizar a devida diferenciação entre o que se encontra disposto na mencionada norma e o que previsto no Decreto-Lei 3.365/1941, o qual trata de desapropriação.
Os arts. 2º e 5º do Decreto-Lei 25/1937 expressam que:
Art. 2º. A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
(…) Art. 5º. O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.
grifei Claramente a referida norma aplica-se aos bens de todas as pessoas jurídicas de direito público interno, ante a expressa menção ao tombamento de bens pertencentes à União. (…) Vê-se que, quando há intenção do legislador de que se observe a hierarquia verticalizada, assim o fez expressamente, ao referir-se como desapropriáveis os bens dos Municípios pelos Estados e pela União, e os bens dos Estados e do Distrito Federal, apenas pela União. Portanto, da interpretação literal dos dispositivos, extrai-se que os bens da União não são excepcionados do rol de bens que não podem ser tombados, tal como são excluídos do rol dos bens passíveis de serem desapropriados pelos Estados e pelo Distrito Federal, motivo pelo qual se conclui que os bens da União podem ser, em tese, tombados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. (STF – ACO: 1208 MS – MATO GROSSO DO SUL 0004074-33.2008.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 03/05/2017)
Logo, vê-se que, quando há intenção do legislador de que se observe a ‘hierarquia verticalizada’, assim o fez expressamente, ao referir-se como desapropriáveis os bens dos Municípios pelos Estados e pela União, e os bens dos Estados e do Distrito Federal, apenas pela União.
Desse modo, o princípio da hierarquia verticalizada só se aplica quando há expressa previsão legal, como é o caso da Desapropriação (art. 2º, §2º, do DL 3.365/41).
Como se não bastasse, a própria lei do tombamento permite tal restrição aos bens da União (arts. 5º e 11, do DL 25/37).
Além disso, o STJ já entendeu que o tombamento é a forma de o Poder Público proteger o patrimônio histórico-cultural, ato que não importa em transferência da propriedade.
Portanto, não se confunde tombamento com desapropriação, porque na última existe a compulsória transferência da propriedade para o patrimônio do expropriado.
ADMINISTRATIVO TOMBAMENTO COMPETÊNCIA MUNICIPAL.
1. A Constituição Federal de 88 outorga a todas as pessoas jurídicas de Direito Público a competência para o tombamento de bens de valor histórico e artístico nacional.
2. Tombar significa preservar, acautelar, preservar, sem que importe o ato em transferência da propriedade, como ocorre na desapropriação.
3. O Município, por competência constitucional comum art. 23, III , deve proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
4. Como o tombamento não implica em transferência da propriedade, inexiste a limitação constante no art. 1º, § 2º, do DL 3.365/1941, que proíbe o Município de desapropriar bem do Estado.
5. Recurso improvido (STJ – RMS: 18952 RJ 2004/0130728-5, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 26/04/2005, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 30.05.2005 p. 266 RDR vol. 32 p. 204)
Dessa forma, deveria o candidato concluir pela inexistência da hierarquia verticalizada no tombamento, tendo em vista não se tratar de transferência de propriedade e que o tombamento possui previsão normativa específica para permitir a sua aplicação entre os entes políticos, independentemente do grau do ente federativo.
Detonando na Discursiva 14 de fevereiro
O Município X, identificando a necessidade de proteger bens com valores históricos e culturais, decidiu instituir uma lei municipal para efetuar o tombamento de determinados imóveis. Ocorre que a titularidade de tais bens é de propriedade da União. Diante disso, responda, de forma fundamentada:
Espelho Comentado
Considera-se tombamento a intervenção restritiva da propriedade, consistente na obtenção de proteger o patrimônio cultural.
Tal instituto, inclusive, encontra previsão constitucional:
Tal patrimônio é abrangido por bens materiais e imateriais, gerando deveres ao proprietário, ocasionando limitações de uso, com a necessidade de autorização prévia para reforma, destruição ou demolição (art. 17, do DL 25/37) e de disposição, exigindo a comunicação da venda ao Poder Público (arts. 12 e art. 13, §1º e §3º, do DL 25/37), entre outros ônus (art. 19 do DL 25/37), que podem atingir inclusive propriedades vizinhas (art. 18 do DL 25/37).
Além disso, o tombamento pode ocorrer de forma:
Desse modo, e respondendo a primeira alínea, trata-se, no caso, de um tombamento de ofício, por envolver bens públicos. Em outro contexto, quanto à necessidade de prévio contraditório, veja o que diz o dispositivo normativo:
Assim, verifica-se que a lei exige uma notificação do proprietário envolvido. Todavia, o tempo em que tal notificação é realizada depende da modalidade de tombamento efetuada.
Isso porque o art. 10 determina que o tombamento privado (art. 6º do DL 25/37) deve ser iniciado através de notificação.
Por sua vez, o art. 5º, referente ao tombamento de bens públicos, estipula tão somente a notificação ao sujeito que pertencer.
Levando isso em consideração, o STF, quando do julgamento da ACO 1208, entendeu que a notificação prévia só se aplica aos tombamentos de bens particulares, já que o tombamento de bem público é feito de ofício e tem regulamento próprio, não se exigindo o contraditório prévio do proprietário.
Observe-se (fls. 19 e 20): Afirma a União que o ato de tombamento versado na Lei estadual 1.526/1994 ofende o princípio do devido processo legal, uma vez que não houve a sua notificação – proprietária do bem.
Tal como evidenciado no item anterior, não há que se falar em violação ao devido processo legal, apesar de o art. 10 do Decreto-Lei 25/1937 apontar que o tombamento provisório inicia-se com a notificação do proprietário:
Todavia, na realidade, esse artigo é aplicável ao tombamento de bem particular (voluntário ou definitivo) e não ao tombamento de bem público, uma vez que para este há norma específica, qual seja, o art. 5° do Decreto-Lei 25/37, a saber:
Da leitura desse dispositivo conclui-se que, ao se referir à modalidade de tombamento de ofício, a notificação é posterior ao ato de tombamento provisório.” (STF – ACO: 1208 MS – MATO GROSSO DO SUL 0004074-33.2008.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 03/05/2017)
Logo, não há que se falar em violação ao contraditório, uma vez que esse é dado de forma posterior ao ato de tombamento de ofício.
Além disso, a Constituição Federal prevê a competência comum e concorrente para que todos os entes políticos possam tratar da proteção dos bens de valor histórico, artístico e cultural (tombamento). Veja-se:
Dessa forma, já se vê a possibilidade de o Município poder efetuar a medida do tombamento. E se verifica, ainda, não ser de competência exclusiva do Executivo a proteção ao patrimônio, cabendo, também, ao Poder Legislativo Municipal, a sua efetuação, nos termos dos arts. 24, VII, c/c 30, I, II e IX, da CF/88.
Ademais, o tombamento se divide em duas fases, quais sejam: provisória e definitiva. A fase provisória se constitui mediante ato de natureza declaratória e ostenta caráter preventivo, de sorte que se consiste em etapa preparatória para sua implementação posterior pelo Poder Executivo, que cientificará o proprietário e dará sequência ao procedimento definitivo, a depender do caso.
É, inclusive, o entendimento do STJ:
O tombamento provisório, portanto, possui caráter preventivo e assemelha-se ao definitivo quanto às limitações incidentes sobre a utilização do bem tutelado, nos termos do parágrafo único do art. 10 do Decreto-Lei nº 25/37. 2.
O valor cultural pertencente ao bem é anterior ao próprio tombamento. A diferença é que, não existindo qualquer ato do Poder Público formalizando a necessidade de protegê-lo, descaberia responsabilizar o particular pela não conservação do patrimônio.
O tombamento provisório, portanto, serve justamente como um reconhecimento público da valoração inerente ao bem. (…) (REsp 753.534, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10.11.2011).
É nesse contexto de tombamento provisório que deve ser interpretado como o ato legislativo que considera relevante, do ponto de vista histórico ou cultural, determinado bem. Ou seja, o Legislativo pode, por lei, criar o tombamento, mas esse será provisório.
Foi esse o entendimento admitido pelo STF na ACO 1208 (fls. 15/18).
Entretanto, prossegue o Inteiro Teor da ACO 1208 (fl. 19) diferenciando o tombamento provisório do definitivo, considerando que apenas neste último é que o Poder Executivo tem a obrigação de atuar.
Observe-se:
“Ressalte-se, todavia, que, no caso de ato declaratório legal, para a consecução do tombamento definitivo, é necessário que haja continuidade do procedimento pelo Poder Executivo, competindo-lhe dar seguimento aos demais trâmites do tombamento, a depender do tipo: de ofício (bem público – art. 5º), voluntário (acordado com o proprietário – art. 7º) ou compulsório (independentemente da aquiescência do proprietário – art. 8º e 9º).
A lei ora questionada deve ser entendida apenas como declaração de tombamento para fins de preservação de bens de interesse local, que repercutam na memória histórica, urbanística ou cultural até que seja finalizado o procedimento subsequente.
Sob essa perspectiva, o ato legislativo em questão (Lei 1.526/94), que instituiu o tombamento, apresenta-se como lei de efeitos concretos, a qual se consubstancia em tombamento provisório – de natureza declaratória –, necessitando, todavia, de posterior implementação pelo Poder Executivo, mediante notificação posterior ao ente federativo proprietário do bem, nos termos do art. 5º do Decreto-Lei 25/37.”
(STF – ACO: 1208 MS – MATO GROSSO DO SUL 0004074-33.2008.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 03/05/2017)
Dessa forma, conclui-se que a lei municipal é válida, sendo uma norma de efeitos concretos, constituindo um tombamento provisório.
Portanto, não há que se falar em usurpação de competência do Poder Executivo.
Por fim, quanto ao item “d”, o art. 2º, §2º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, norma que regula a Desapropriação por Utilidade Pública, admite que entes “maiores” possam desapropriar bens dos entes “menores”, desde que haja previsão legal:
Desse modo, poderia a União desapropriar bens dos Estados e dos Municípios, bem como o Estado poderia desapropriar bem do Município.
Todavia, há o questionamento no sentido de ser possível ou não a aplicação da Hierarquia Verticalizada ao tombamento. Decidindo o tema, o STF entendeu pela inaplicabilidade da Hierarquia Verticalizada ao tombamento.
Isso porque, além de possuir regramento próprio, o art. 5º, do DL n. 25/37, admite o tombamento entre os Entes Políticos, o denominado tombamento de ofício, como já visto.
Observe-se: Inicialmente, destaque-se que o tombamento possui disciplina própria, qual seja, o Decreto-Lei 25/1937.
Em razão disso, é necessário realizar a devida diferenciação entre o que se encontra disposto na mencionada norma e o que previsto no Decreto-Lei 3.365/1941, o qual trata de desapropriação.
Os arts. 2º e 5º do Decreto-Lei 25/1937 expressam que:
Logo, vê-se que, quando há intenção do legislador de que se observe a ‘hierarquia verticalizada’, assim o fez expressamente, ao referir-se como desapropriáveis os bens dos Municípios pelos Estados e pela União, e os bens dos Estados e do Distrito Federal, apenas pela União.
Desse modo, o princípio da hierarquia verticalizada só se aplica quando há expressa previsão legal, como é o caso da Desapropriação (art. 2º, §2º, do DL 3.365/41).
Como se não bastasse, a própria lei do tombamento permite tal restrição aos bens da União (arts. 5º e 11, do DL 25/37).
Além disso, o STJ já entendeu que o tombamento é a forma de o Poder Público proteger o patrimônio histórico-cultural, ato que não importa em transferência da propriedade.
Portanto, não se confunde tombamento com desapropriação, porque na última existe a compulsória transferência da propriedade para o patrimônio do expropriado.
Dessa forma, deveria o candidato concluir pela inexistência da hierarquia verticalizada no tombamento, tendo em vista não se tratar de transferência de propriedade e que o tombamento possui previsão normativa específica para permitir a sua aplicação entre os entes políticos, independentemente do grau do ente federativo.
[learn_press_profile]
Materiais Gratuitos!
Acesse nossos cursos!
Grupo com materiais gratuitos!
Compartilhe!
Últimas notícias!
O Procurador Geral do Estado possui legitimidade para propor ação direta interventiva por inconstitucionalidade de Lei Municipal?
O Poder Executivo Estadual pode reter as contribuições previdenciárias dos membros e servidores do Ministério Público diretamente na fonte?
Lei Estadual pode permitir que membros do Ministério Público vinculados ao seu Estado permutem com membros do Ministério Público vinculados a outro Estado da federação?