Pergunta
O XYZ, após impossibilidade de autocomposição de determinado conflito surgido no âmbito de uma PPP administrativa, instaura arbitragem na forma e nos moldes previstos no contrato de concessão.
A arbitragem, segundo previsão contratual, será por equidade e instaurada mediante Tribunal Arbitral.
É formulada consulta à PGE, questionando-se sobre a legalidade do procedimento arbitral e sobre a necessidade de observância de precedentes vinculantes no âmbito de tal arbitragem.
Como Procurador do Estado, dispensando os requisitos formais, formule parecer.
Resposta
A arbitragem é tema de grande interesse do examinador de Direito Administrativo, motivo pelo qual se deve dar especial atenção ao tema.
A função que os árbitros exercem tem origem privada, mas conteúdo público e aos árbitros, como aos juízes e tribunais estatais, compete resolver as questões de direito de acordo com as normas do ordenamento jurídico brasileiro.
Na arbitragem, as partes estão vinculadas a uma negociação, tal como em um contrato, mas desconhecem qual será o conteúdo substancial do resultado.
A arbitragem consiste em mecanismo de heterocomposição de conflitos de interesses, informado pela celeridade, expertise e informalidade, que se processa fora das lindes estatais.
Na arbitragem, há uma terceira pessoa eleita pelo credor ou devedor para solucionar o seu conflito de interesses.
A arbitragem é exercida no juízo arbitral, que NÃO INTEGRA O JUDICIÁRIO.
Portanto, parte da doutrina entende que ela não pode ser chamada de jurisdição privada, embora autores como Didier, Humberto Dalla e Carlos Alberto Carmona sustentem que sim, com fundamento na previsão do CPC de que a sentença arbitral é título executivo judicial e que também faz coisa julgada material.
O STJ também tem precedentes no sentido de que a arbitragem é jurisdição.
A arbitragem difere da jurisdição estatal (que apresenta o atributo da inafastabilidade – art. 5º, XXXV da CF), porque a competência arbitral somente surge se as partes assim acordarem (através de cláusula compromissória ou do compromisso arbitral).
Arbitragem e administração pública
Atualmente, tendo em vista a alteração na lei de arbitragem, é pacífica a possibilidade de instauração de arbitragem no campo da administração pública.
Repisa-se que antes mesmo da Lei 13.129, a disciplina setorial das concessões passou a admitir expressamente a arbitragem, nos art. 23-A da lei 8987/05 (lei das concessões) e art. 11, III, da Lei 11.079/04 (lei das PPPs).
Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4 o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:
III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei n o 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. Ademais, a lei 13.190/15 acrescentou o art. 44-A à lei 12.462/11, que trata do RDC (Regime Diferenciado de Contratações).
Art. 44-A. Nos contratos regidos por esta Lei, poderá ser admitido o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a mediação, para dirimir conflitos decorrentes da sua execução ou a ela relacionados. (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015)
Por fim, a lei 13.129/15 alterou a lei de arbitragem (lei 9307/96), passando a fazer expressa referência à possibilidade de se resolver conflitos da Administração Pública por meio da arbitragem, mas trazendo três limitações relevantes:
Limita o objeto da arbitragem a direitos patrimoniais disponíveis, vide art. 1º, § 1º da lei 9.307/96.
A Administração Pública só se submete à arbitragem de direito, e não à arbitragem de equidade (art. 2º, § 3º da Lei 9.307/96).
A arbitragem na Administração Pública deve sempre respeitar o princípio da PUBLICIDADE (art. 2º, §3º, parte final e art. 37 da CRFB).
Vemos, portanto, o primeiro ponto a ser observado em sede de parecer por Procurador do Estado: no caso concreto, não é possível se falar em arbitragem por equidade, tendo em vista a expressa vedação legal.
A diferença entre essas duas modalidades é que a arbitragem de direito é aquela em que o árbitro aplica o ordenamento jurídico para a solução da controvérsia.
Já na arbitragem por equidade o árbitro tem maior flexibilidade, não necessariamente resolvendo o conflito à luz das regras de direito, podendo solucionar a controvérsia com base em sua experiência, seus conhecimentos específicos ou em seu senso de justiça.
Na arbitragem de equidade o árbitro busca uma solução justa para dirimir a controvérsia, ainda que ele se desvincule das regras jurídicas aplicáveis.
A arbitragem por equidade não é compatível com os princípios que regem a Administração Pública, tais como os princípios da legalidade e da juridicidade administrativa.
Precedentes e arbitragem
Um segundo ponto abordado pela questão, se refere a necessidade (ou não) de observância dos precedentes obrigatórios em sede de arbitragem.
Adianta-se que, no caso da administração, em face da necessidade de arbitragem de direito, prevalece o entendimento de que há necessidade de observância dos precedentes obrigatórios, tendo em vista que estes integram o ordenamento jurídico.
No Brasil, embora se adote a escola da civil law, em virtude da necessidade de uniformização das decisões judiciais e com vistas à otimização do sistema e à concreção dos princípios da isonomia e da segurança jurídica, houve uma latente aproximação ao sistema da common law, o que representou um desenvolvimento da jurisprudência como fonte imediata do direito.
Apesar disso, o fato de ter ocorrido a criação de um sistema de precedentes influenciado por este sistema, não significa uma alteração na matriz do sistema jurídico brasileiro.
Neste ponto, a doutrina defende que há a vinculação do árbitro aos precedentes judiciais em virtude da impossibilidade de criação de ambientes jurisdicionais extrajurídicos.
Dessa maneira, o CPC de 2015 apresenta suporte claro na Constituição, principalmente ao consagrar normas que buscam garantir o devido processo legal, a isonomia, e a segurança jurídica, corolários do Estado de Direito.
Caso contrário, haveria a criação de um tenebroso cenário de manifestações jurisdicionais contraditórias apenas pela escolha do procedimento.
À vista desse aspecto, quanto aos precedentes com eficácia normativa, também chamados de precedentes vinculantes, têm sua obrigatoriedade pronunciada, sendo a formulação dessa categoria a grande responsável por assentar o precedente como fonte imediata do direito.
Logo, devem os árbitros respeitar as decisões judiciais, assim como ocorre no processo judicial.
Repisa-se, por fim, que a negativa de aplicação do precedente vinculante viola os limites impostos pela cláusula compromissória e/ou do compromisso arbitral, mas também atenta contra a ordem pública brasileira, tratando-se de hipótese na qual será possível a propositura de ação anulatória, não pelo rol do art. 32, mas sim com lastro no art. 2º, § 1º, da Lei de Arbitragem, o qual prevê que as regras escolhidas pelas partes não poderão violar a ordem pública.
Detonando na Discursiva 4 de outubro
Pergunta
O XYZ, após impossibilidade de autocomposição de determinado conflito surgido no âmbito de uma PPP administrativa, instaura arbitragem na forma e nos moldes previstos no contrato de concessão.
A arbitragem, segundo previsão contratual, será por equidade e instaurada mediante Tribunal Arbitral.
É formulada consulta à PGE, questionando-se sobre a legalidade do procedimento arbitral e sobre a necessidade de observância de precedentes vinculantes no âmbito de tal arbitragem.
Como Procurador do Estado, dispensando os requisitos formais, formule parecer.
Resposta
A arbitragem é tema de grande interesse do examinador de Direito Administrativo, motivo pelo qual se deve dar especial atenção ao tema.
A função que os árbitros exercem tem origem privada, mas conteúdo público e aos árbitros, como aos juízes e tribunais estatais, compete resolver as questões de direito de acordo com as normas do ordenamento jurídico brasileiro.
Na arbitragem, as partes estão vinculadas a uma negociação, tal como em um contrato, mas desconhecem qual será o conteúdo substancial do resultado.
A arbitragem consiste em mecanismo de heterocomposição de conflitos de interesses, informado pela celeridade, expertise e informalidade, que se processa fora das lindes estatais.
Na arbitragem, há uma terceira pessoa eleita pelo credor ou devedor para solucionar o seu conflito de interesses.
A arbitragem é exercida no juízo arbitral, que NÃO INTEGRA O JUDICIÁRIO.
Portanto, parte da doutrina entende que ela não pode ser chamada de jurisdição privada, embora autores como Didier, Humberto Dalla e Carlos Alberto Carmona sustentem que sim, com fundamento na previsão do CPC de que a sentença arbitral é título executivo judicial e que também faz coisa julgada material.
O STJ também tem precedentes no sentido de que a arbitragem é jurisdição.
A arbitragem difere da jurisdição estatal (que apresenta o atributo da inafastabilidade – art. 5º, XXXV da CF), porque a competência arbitral somente surge se as partes assim acordarem (através de cláusula compromissória ou do compromisso arbitral).
Arbitragem e administração pública
Atualmente, tendo em vista a alteração na lei de arbitragem, é pacífica a possibilidade de instauração de arbitragem no campo da administração pública.
Repisa-se que antes mesmo da Lei 13.129, a disciplina setorial das concessões passou a admitir expressamente a arbitragem, nos art. 23-A da lei 8987/05 (lei das concessões) e art. 11, III, da Lei 11.079/04 (lei das PPPs).
Por fim, a lei 13.129/15 alterou a lei de arbitragem (lei 9307/96), passando a fazer expressa referência à possibilidade de se resolver conflitos da Administração Pública por meio da arbitragem, mas trazendo três limitações relevantes:
Limita o objeto da arbitragem a direitos patrimoniais disponíveis, vide art. 1º, § 1º da lei 9.307/96.
A Administração Pública só se submete à arbitragem de direito, e não à arbitragem de equidade (art. 2º, § 3º da Lei 9.307/96).
A arbitragem na Administração Pública deve sempre respeitar o princípio da PUBLICIDADE (art. 2º, §3º, parte final e art. 37 da CRFB).
Vemos, portanto, o primeiro ponto a ser observado em sede de parecer por Procurador do Estado: no caso concreto, não é possível se falar em arbitragem por equidade, tendo em vista a expressa vedação legal.
A diferença entre essas duas modalidades é que a arbitragem de direito é aquela em que o árbitro aplica o ordenamento jurídico para a solução da controvérsia.
Já na arbitragem por equidade o árbitro tem maior flexibilidade, não necessariamente resolvendo o conflito à luz das regras de direito, podendo solucionar a controvérsia com base em sua experiência, seus conhecimentos específicos ou em seu senso de justiça.
Na arbitragem de equidade o árbitro busca uma solução justa para dirimir a controvérsia, ainda que ele se desvincule das regras jurídicas aplicáveis.
A arbitragem por equidade não é compatível com os princípios que regem a Administração Pública, tais como os princípios da legalidade e da juridicidade administrativa.
Precedentes e arbitragem
Um segundo ponto abordado pela questão, se refere a necessidade (ou não) de observância dos precedentes obrigatórios em sede de arbitragem.
Adianta-se que, no caso da administração, em face da necessidade de arbitragem de direito, prevalece o entendimento de que há necessidade de observância dos precedentes obrigatórios, tendo em vista que estes integram o ordenamento jurídico.
No Brasil, embora se adote a escola da civil law, em virtude da necessidade de uniformização das decisões judiciais e com vistas à otimização do sistema e à concreção dos princípios da isonomia e da segurança jurídica, houve uma latente aproximação ao sistema da common law, o que representou um desenvolvimento da jurisprudência como fonte imediata do direito.
Apesar disso, o fato de ter ocorrido a criação de um sistema de precedentes influenciado por este sistema, não significa uma alteração na matriz do sistema jurídico brasileiro.
Neste ponto, a doutrina defende que há a vinculação do árbitro aos precedentes judiciais em virtude da impossibilidade de criação de ambientes jurisdicionais extrajurídicos.
Dessa maneira, o CPC de 2015 apresenta suporte claro na Constituição, principalmente ao consagrar normas que buscam garantir o devido processo legal, a isonomia, e a segurança jurídica, corolários do Estado de Direito.
Caso contrário, haveria a criação de um tenebroso cenário de manifestações jurisdicionais contraditórias apenas pela escolha do procedimento.
À vista desse aspecto, quanto aos precedentes com eficácia normativa, também chamados de precedentes vinculantes, têm sua obrigatoriedade pronunciada, sendo a formulação dessa categoria a grande responsável por assentar o precedente como fonte imediata do direito.
Logo, devem os árbitros respeitar as decisões judiciais, assim como ocorre no processo judicial.
Repisa-se, por fim, que a negativa de aplicação do precedente vinculante viola os limites impostos pela cláusula compromissória e/ou do compromisso arbitral, mas também atenta contra a ordem pública brasileira, tratando-se de hipótese na qual será possível a propositura de ação anulatória, não pelo rol do art. 32, mas sim com lastro no art. 2º, § 1º, da Lei de Arbitragem, o qual prevê que as regras escolhidas pelas partes não poderão violar a ordem pública.
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